A Grande Fraude Orgânica

Não há como garantir que uma safra foi produzida de maneira orgânica. Randy Constant explorou nossa confiança nos rótulos — e ganhou uma fortuna.

Renato Pincelli
43 min readMar 7, 2023
Ilustração animada de Tyler Comrie

Por Ian Parker na New Yorker (Novembro de 2021).
Tradução de Renato Pincelli.

GLEN BORGERDING CONHECEU RANDY CONSTANT no final dos anos 1990, quando proprietários de terras no norte do Missouri contrataram ambos para ajudar a criar uma fazenda de soja orgânica. Borgerding, um agrônomo de Minnesota, coletou amostras de solo e fez recomendações sobre fertilizantes e controle de ervas daninhas; Constant, um nativo do Missouri que trabalhava diariamente como gerente regional de vendas da Pfister Seed Company, administrava as atividades diárias da fazenda. Na época, Borgerding tinha mais de uma década de experiência na agricultura orgânica. Constant não tinha experiência, mas sua ambição era evidente. Como Borgerding me contou recentemente: “Randy era uma companhia empolgante — quando as coisas estavam funcionando bem.”

Constant, então na casa dos 30 anos, era formado em Economia Agrícola pela Universidade do Missouri. Desde que se formou, ele estava “subindo os degraus da escada corporativa agrícola”, segundo sua esposa, Pam. Na década de 1980, um período de retração na economia agrícola dos EUA, ele assumiu uma série de empregos de vendas e gestão em todo o Centro-Oeste. Depois, resolveu voltar com Pam e seus três filhos para Chillicothe (Missouri) — uma cidade de cerca de 9 mil habitantes, 90 milhas [144 km] a nordeste de Kansas City, onde ele e Pam cresceram. Constant tornou-se ativo na Igreja Metodista Unida de Chillicothe, e mais tarde serviu como presidente do Conselho Escolar da cidade.

Para Ty Dick, um ex-funcionário, Constant parecia ser “o epítome do Cara do Meio-Oeste: Simples, íntegro, saudável.” Constant usava camisas de botão e seu cabelo estava sempre bem penteado. Hector Sanchez, que já trabalhou para Constant em Chillicothe, recorda a gentileza do seu antigo patrão: “ele sempre me perguntava: precisa de alguma coisa? Está tudo bem?”

Quando Constant conheceu Borgerding, ele era recém-licenciado como agente imobiliário e, ocasionalmente, vendia alguma fazenda em nome de Rick Barnes, da Barnes Realty, em Mound City (Missouri). Barnes, que me disse que costumava pensar que Constant desperdiçava seu talento por não vender imóveis em tempo integral, disse: “ele surgiu como se fosse um diácono da Igreja. Provavelmente era diácono.”

Após o fim da colaboração na fazenda de soja, Borgerding e Constant discutiram a criação de um negócio em sociedade. “Eu tive muita confiança nele”, disse Borgerding. “Senti que ele tinha muita integridade. Senti que tínhamos uma visão muito próxima daquilo que queríamos realizar.” Em 2001, os dois fundaram uma empresa, a Organic Land Management [OLM].

JOHN HEINECKE mora numa fazenda que mantém perto de Paris (Missouri), 100 milhas [160 km] a leste de Chillicothe. Quando liguei para ele para perguntar sobre Constant, ele respondeu: “Aquele desgraçado. Ele me fodeu até à morte.” Heinecke estava prestes a sair de carro para sua casa de fim de semana, numa enseada no Lago de Ozarks. Ele concordou em se encontrar comigo lá alguns dias depois.

Conversamos no seu alpendre, que tinha vista para o seu cais e para a sua lancha. Heinecke, que está entrando na casa dos 60, estava vestindo uma camiseta sem mangas e um adesivo de fentanil; ele mencionou lesões na coluna vertebral relacionadas a uma vida inteira de esforço rural. De vez em quando, tínhamos que gritar sobre as lanchas de motor envenenado que berravam pelo canal principal do lago.

Heinecke faliu pela primeira vez em meados dos anos 1980, quando cultivava terras arrendadas. “O banco tirou minhas notas”, explicou. No momento em que conheceu Constant, em meados dos anos 1990, ele estava desfrutando de um período de sucesso como agricultor contratado, lavrando 1500 acres [607 hectares] para vários proprietários. “Eu provavelmente tinha umas quarenta fazendas ou mais”, disse ele. “Um monte de fazendinhas. Eu era um patch king [rei dos lotes]!”

Heinecke costumava ter uma placa na entrada de sua propriedade que dizia “eu atiro no terceiro vendedor que aparece”. Constant, promovendo as vendas da Pfister, bateu à sua porta. Heinecke lembra-se dele como “um fala-mansa, um desses caras com quem você tem que se preocupar.” Constant recrutou Heinecke para se tornar um vendedor de sementes da Pfister na região. Essa foi a relação comercial entre ambos durante os anos seguintes.

Depois, por volta de 2000, Constant perguntou se Heinecke sabia de alguma pastagem que não estava em uso. Heinecke mencionou uma fazenda de 900 acres [364 hectares], propriedade de um parente, com uma área que não era cultivada há anos. “Você pode me arrendar isso?”, Constant perguntou. Só depois ele explicou que queria cultivá-la organicamente. Heinecke lembra-se de ter respondido: “Me conta o que é esse negócio orgânico.”

MAIS DO QUE na maioria das aquisições no varejo, o consumidor orgânico compra tanto uma coisa quanto uma garantia sobre tal coisa. Essas coisas são as culturas orgânicas — aquelas que, entre outras restrições, foram cultivadas sem a aplicação de certos herbicidas, pesticidas e fertilizantes. Um exame minucioso de uma cultura de tomates não-orgânicos pode revelar que foram expostos a estes tratamentos bioquímicos. Mas talvez não. E um produto orgânico pode ser acidentalmente contaminado caso produtos químicos vetados escorram de uma cultura vizinha. As regras toleram uma contaminação assim, até certo ponto. Mas os testes de resíduos não são comuns na regulamentação orgânica americana.

Qual a diferença real, então, entre uma tonelada de soja orgânica e uma tonelada de soja convencional? É a narrativa que você pode contar sobre elas. O teste, no ponto de venda, é apenas uma questão: isso foi cultivado de modo orgânico? Isso não é como perguntar se uma xícara de café é descafeinada. É mais como comprar memorabilia esportiva — essa bola aqui é realmente aquela bola? — ou como tentar determinar se um carro usado teve ou não teve um único dono cuidadoso.

A narrativa orgânica tem um poder legítimo. A conversão de uma exploração agrícola para métodos orgânicos tende a aumentar a biodiversidade, reduzir o consumo de energia e melhorar a saúde dos trabalhadores agrícolas e do gado. E, dada a maneira como os produtos agrotóxicos entram na cadeia alimentar, uma dieta orgânica pode muito bem ser mais saudável do que uma dieta convencional.

Quando Constant perguntou a Heinecke sobre pastagens sem uso, a agricultura orgânica dos EUA tinha acabado de decolar. Em 2000, as vendas de produtos orgânicos em supermercados comuns ultrapassaram, pela primeira vez, as vendas em lojas chiques e perfumadas de produtos naturais. Durante os cinco anos seguintes, as vendas domésticas de alimentos orgânicos quase duplicaram, alcançando 13,8 bilhões de dólares por ano. Hoje esse valor é cerca de 60 bilhões de dólares, e a indústria é definida tanto por grandes empresas industriais de laticínios, com suas lasanhas orgânicas congeladas, como pelo ambientalismo e pelos vegetais de formato incomum dos pioneiros do movimento orgânico.

Um novo sistema nacional de certificação orgânica, plenamente implementado em 2002, contribuiu para impulsionar este crescimento. A regulamentação anterior, onde existia, era desigual: os agricultores de Iowa podiam tornar-se orgânicos assinando uma declaração juramentada dizendo que cultivavam organicamente. Dada a opacidade do status orgânico de um cultivo, era provável que o novo sistema preservasse um elemento de juramento, mas a dependência da confiança havia sido superada — e, talvez, disfarçada — pela documentação oficial. Os fazendeiros orgânicos, e outros na cadeia de abastecimento de alimentos orgânicos, passaram a ser obrigados a contratar os serviços de uma organização certificadora independente — uma agência homologada por um gabinete do Departamento de Agricultura dos EUA, o Programa Orgânico Nacional [PON]. O certificador verifica funcionamento de uma unidade agrícola, normalmente por meio de uma inspeção programada e realizada todo ano.

Entre as novas regras federais: as terras sujeitas a tratamentos não-orgânicos não podiam ser convertidas em produção orgânica da noite para o dia. O processo para adaptação orgânica levaria três anos. Dada a rapidez com que o mercado orgânico estava crescendo — incluindo carne, ovos e produtos lácteos, derivados de animais que receberam apenas alimentos orgânicos — as terras que não necessitavam de período de transição tornaram-se valiosas.

A Organic Land Management se propunha a encontrar essas terras e, em troca de uma parte dos lucros de um fazendeiro, obter a certificação. Em seguida, ajudava-o a plantar e comercializar os cultivos orgânicos. “Na época, o milho convencional custava, digamos, dois dólares por alqueire”, explicou Borgerding. “As primeiras colheitas de milho que vendemos foram de 3,75 a 4 dólares por alqueire.”

Constant e Borgerding nunca trabalharam no mesmo escritório. Borgerding fez negócios com agricultores em Minnesota e nas Dakotas; Constant manteve-se ativo mais ao sul do país. O argumento de venda da empresa precisava ser atraente aos agricultores que tinham crédito ruim ou outros problemas. John Heinecke, o patch king que lutou contra a falência, concordou em entrar no negócio. Em Overton, Nebraska, Constant também contratou James Brennan e seu pai, Tom — um veterano condecorado do Vietnã cujo abuso de álcool, ligado ao transtorno pós-traumático, o levou a várias condenações por dirigir embriagado.

Dentro de alguns anos, a Organic Land Management estava fazendo o manejo de 6000 acres [2430 hectares], somando uma dúzia de fazendas em cinco estados. Aos olhos dos reguladores americanos, a OLM era uma única operação, o que exigia apenas uma única certificação orgânica — como se os campos dispersos da empresa fossem separados apenas por ferrovias ou rios, e não por um Estado, como Iowa.

COMO CERTIFICADORA, Constant e Borgerding escolheram a Quality Assurance International (QAI), com sede em San Diego. Não era a opção mais barata. O principal negócio da QAI era certificar empresas de processamento de alimentos, não fazendas: seu nome está em quase todas as caixas de biscoitos e flocos de milho orgânicos dos Estados Unidos. Falei recentemente com Chris Barnier, que, entre 2004 e 2007, supervisionou as finanças e os documentos da Organic Land Management. Embora ele não tenha criticado diretamente a QAI, declarou: “é uma grande falha na indústria orgânica que os agricultores paguem o certificador — às vezes muitos milhares de dólares. O certificador tem um conflito de interesses, porque realmente não quer denunciar uma fraude.”

Além disso, qualquer inspeção, independentemente do princípio moral do inspetor, corre o risco de ser superficial. Depois que Barnier deixou a Organic Land Management, ele trabalhou por um tempo como inspetor. Ele explicou que prolongar uma visita à fazenda para além de algumas horas — olhando para a papelada, fazendo perguntas — pode ser visto como uma provocação. As vacas precisam de ordenha, as crianças choramingam. Um comerciante de grãos bem estabelecido me disse, recentemente, que a indústria de certificação é essencialmente manca, e acrescenta: “se você viesse ver meu negócio, e visse o que eles fazem em uma inspeção, você ia perder a cabeça. Eu faço milhares de transações por ano. Eles acompanham só três.”

Borgerding afirmou que “Chris e eu trabalhamos muito para manter a integridade das coisas — para garantir que toda a nossa documentação orgânica estivesse em ordem.” No entanto, ele reconheceu que tinha sido atraído para QAI, em parte, porque a empresa foi percebida como pouco exigente: “não era minha intenção abusar de uma leniência em potencial. Mas eu acho que eles meio que encobriram algumas coisas.” Como os inspetores de QAI não eram especialistas em agronomia, “eles — pelo menos naquela época — estavam um pouco despreparados. Era mais um terreno desconhecido para eles.” Ele acrescentou: “eles estão lá na Califórnia! O que é que eles sabiam sobre a agricultura do Centro-Oeste?” (Um representante da QAI disse que seus inspetores entendem os “detalhes da indústria agrícola de sua respectiva região particular.”)

Constant e Borgerding podiam tirar 100 mil dólares por ano. Randy Constant, que teve um filho e duas filhas, a mais nova das quais era adolescente, mudou-se para uma casa espaçosa em Oaklawn Drive, na área mais endinheirada de Chillicothe. Suas decorações incluíam coelhos de cerâmica, duas cruzes e um mapa emoldurado de Hilton Head Island, Carolina do Sul, onde a família gostava de passar férias.

E M RETROSPECTO, Borgerding sabe que ele não percebeu os sinais de alerta sobre seu sócio. Declarou que, no Missouri, ele “mencionava o nome de Randy e as pessoas simplesmente fechavam a porta e se retiravam.” Ele sabia que Constant sempre teve um projeto paralelo. “Quando eu fechei o acordo com ele, eu é que virei o projeto paralelo”, disse ele, referindo-se ao trabalho de Constant na Pfister. “Mas algo sempre me preocupou um pouco: o que acontece quando nosso projeto paralelo se torna o negócio principal? O que o Randy faria em paralelo?”

Ele lembrou uma vez em que observou com admiração o modo como Constant se desviou da pergunta de um inspetor agrícola sobre a organização de documentos. Em uma enxurrada de papel, “Randy jogou este documento, vinculado a este documento, e vinculado àquele documento, como se dissesse ‘é tão óbvio, qualquer idiota pode descobrir isso — por que você não consegue?’” O inspetor recuou. Hoje, Borgerding tem a impressão de que testemunhou uma farsa. Mas, disse, “o tom na voz de Randy, e a maneira como ele agia, era como novocaína [nome comercial do anestésico local procaína] — era o que bastava para ficar tranquilo.”

Em 2001, Constant, em nome da Organic Land Management, assinou um contrato para a entrega de soja orgânica dos agricultores com quem trabalhava em Beardstown (Illinois) para uma propriedade da Clarkson Grain Company. A Clarkson, que compra grãos de fazendeiros e geralmente vende para fabricantes de alimentos, foi uma dos primeiras especialistas em grãos orgânicos e em grãos que não são organismos geneticamente modificados (OGM). A indústria de grãos estava então sendo revolucionada por novos produtos como a soja e o milho Roundup Ready da Monsanto — que são geneticamente modificados para sobreviver em campos pulverizados com Roundup, um herbicida fabricado pela empresa.

Um cultivo que não seja OGM pode ou não ser orgânico, mas uma cultura geneticamente modificada definitivamente não é orgânica. Hoje, é quase inevitável que um comprador comercial de grãos orgânicos submeta a colheita a um teste OGM, que pode levar apenas alguns minutos. Mas, em 2001, era incomum que esses compradores testassem todas as entregas. A Clarkson testava.

Um funcionário da Clarkson, que trabalhava em Beardstown na época, lembrou recentemente que a soja da Organic Land Management, que chegava de caminhão, testou positivo para OGM. Os motoristas disseram que devem ter carregado acidentalmente grãos das caixas de armazenamento erradas nas fazendas. No dia seguinte, “os caminhões voltaram”, contou o funcionário da Clarkson. “Mais cargas com os mesmos resultados.” Essas cargas também foram rejeitadas. Constant ligou, furioso, alegando que havia um erro no lado da Clarkson. Os caminhões continuaram aparecendo por cerca de uma semana, depois pararam. “Nós acabamos por rescindir o contrato com Randy”, disse o funcionário da Clarkson. “Nós supomos, na época, que ele havia encontrado outro comprador que não estava testando OGM”. Em uma ligação recente, Lynn Clarkson, fundadora e Diretora-Executiva da Clarkson, comparou Constant a um golpista da internet. “Ele fica provocando, assim como os caras do ransomware”, disse ela. “Eles querem testar suas defesas e ver se estão funcionando.”

Na época em que a Clarkson rejeitou os caminhões de soja, Duane Bushman, que dirige uma empresa de comércio de grãos em Fort Atkinson (Iowa), comprou sua primeira carga de milho orgânico com certificado da Organic Land Management. Bushman sentiu-se confiante sobre a transação: ele visitou duas fazendas da OLM. Nos anos seguintes, ele comprou milho da empresa em quantidades cada vez maiores. Daí algo estranho aconteceu. Durante uma conversa telefônica no primeiro semestre de 2006, Constant mencionou que estava sem milho da colheita anterior. Mas numa segunda chamada, mais ou menos uma semana depois, Constant fez uma oferta de repente. Randy disse a Bushman: “encontrei mais cinco vagões!” Um vagão ferroviário contém cerca de 100 toneladas de milho. Cinco vagões podem ser toda a produção anual de uma fazenda de Missouri de tamanho modesto. O milho de Constant estava coberto pela certificação orgânica da sua empresa, mas Bushman sentiu-se desconfortável e pediu para ver os certificados de transação (CTs), que podem indicar a data e o local de origem de uma carga. Bushman, que estava prestes a sair em uma viagem de trabalho, deixou ordens para sua assistente, Linda Holthaus, com quem trabalhava há vários anos: “não pague a ele por essas cinco cargas antes de receber os CTs.”

Quando Bushman voltou de sua viagem, Holthaus havia feito o pagamento. Ela também havia assumido um novo cargo, na Jericho Solutions — uma corretora de grãos que Randy Constant e seu amigo John Burton, um agricultor do Missouri, acabavam de criar. Em setembro de 2006, a Constant criou uma filial da Jericho Solutions com endereço registrado na casa de Holthaus, em Ossian (Iowa).

Bushman tentou, sem sucesso, entrar em contato com Constant. Eventualmente, ele deu um google em “Organic Land Management, Inc.”, encontrou o nome de Glen Borgerding e ligou para ele. Borgerding foi simpático, notando que muitas vezes era difícil para Constant retornar chamadas, e perguntou se ele poderia ajudar.

“Bem, há essa papelada sobre os vagões que vocês venderam”, disse Bushman.
Borgerding ficou confuso: “Como assim?”
“Lembra daqueles vagões?” Bushman questionou.
Borgerding informou a Bushman que a Organic Land Management nunca havia vendido grãos para a empresa de Bushman.

Houve uma pausa.

Bushman então perguntou, com evidente ansiedade, quanto milho a Organic Land Management vinha produzindo no Missouri nos últimos anos. Cerca de 1500 acres, segundo Borgerding. Os dois ficaram novamente em silêncio. Borgerding lembra: “você poderia ter ouvido um alfinete cair.”

A conta não batia: Bushman estava comprando muito mais milho de Constant do que poderia ter sido cultivado nas fazendas da OLM no Missouri. Borgerding caiu em si e percebeu que “não estávamos falando de uma ou duas cargas — estamos falando de milhões de dólares em grãos.” Ele recorda de concluir que Constant poderia estar apenas a atuar como corretor paralelo — comprando cereais de outros agricultores orgânicos e depois revendendo-os. Borgerding deu um riso sem graça e completou: “Ou ele estava fazendo outra coisa.”

CONSTANT ESTAVA, de fato, vendendo grãos não-orgânicos como orgânicos. O esquema, no qual pelo menos meia dúzia de associados estavam envolvidos, é a maior fraude conhecida na história da agricultura orgânica americana. Os promotores o acusaram de fazer com que os clientes gastassem pelo menos um quarto de bilhão de dólares em produtos falsamente rotulados com selos orgânicos.

Clarence Mock, um advogado de Nebraska que representou Mike Potter — um dos agricultores que trabalhou com Constant — propôs recentemente que o esquema pode ter sido sustentado, em parte, por um desdém pelos consumidores orgânicos. “Havia um quê de serem pessoas frouxas, que bebiam café com leite e que dirigiam carros da Volvo”, disse Mock. “Toda a ideia de milho orgânico versus outros tipos de milho, sabe? Depois que você mói e coloca no fubá, quem diabos sabe a diferença?” Os participantes do esquema, continuou Mock, talvez reconhecessem que disfarçar grãos como orgânicos era “meio travesso”, enquanto diziam a si mesmos: “ninguém está se machucando ou ficando doente. Não seria, tipo, ‘nós somos fabricantes de remédios, e estamos dando às pessoas remédios ruins.’”

Falei com vários veteranos em matéria de produtos orgânicos e eles disseram que os agricultores recorrem frequentemente à produção orgânica apenas para obter uma vantagem de preço. Nessa fase, eles podem considerar a ideia do orgânico como absurda, ou pelo menos desconfortável: dá mais trabalho, tem mais ervas daninhas e provavelmente um rendimento menor. Alguns desistem. Para outros, a experiência de cultivar organicamente — de acabar com a dependência de agrotóxicos e seus fornecedores, e talvez ver animais mais saudáveis, entre outras satisfações — gera uma conversão.

Mas esse não era o intuito de Constant. Ele parece ter começado com uma ideia de dinheiro fácil — quatro dólares por alqueire, com outra pessoa fazendo o trabalho — e então descobriu que estava ao seu alcance uma outra maneira de conseguir dinheiro que era muito mais fácil.

A certificação orgânica de uma fazenda é válida durante um ano e não é limitada pelas vendas. Se um fazendeiro tem apenas uma dúzia de macieiras orgânicas, mas concorda em te vender um milhão de maçãs orgânicas, é improvável que você perceba que tem um problema apenas olhando para a certificação do pomar. Como o comerciante de grãos estabelecido explicou, “alguns certificadores indicam a área cultivada na certificação. Outros não. Não é um requisito do USDA [Departamento de Agricultura, o Ministério do ramo nos EUA]. É uma loucura!”

Em pelo menos uma ocasião, um agricultor que trabalhava com Constant tratou um campo com herbicidas e pesticidas — mas deixou o perímetro intocado. Para um vizinho, ou um inspetor apressado, o campo pareceria tão desgrenhado e infestado de ervas daninhas quanto deveria. (Rick Barnes, agente imobiliário que empregava Constant, disse-me que todo sítio orgânico “parece um desastre.”) Mas as atividades ilícitas de Constant raramente exigiam tanta astúcia. Num mercado que muitas vezes parece valorizar mais um certificado de autenticidade do que a própria autenticidade, tudo o que ele tinha de fazer era mentir.

Constant aprendeu que, enquanto mantivesse o controle de alguns campos certificados como orgânicos, quase nada impedia a sua venda de grãos não-orgânicos obtidos em outros lugares, mas como se tivessem sido plantados nesses campos. Em 2016, suas vendas de milho orgânico geraram um rendimento por acre de cerca de 1300 alqueires — cerca de dez vezes acima de qualquer número plausível. Naquele ano, Constant controlava cerca de 3000 acres certificados para milho ou soja orgânicos, o que rendeu cerca de 20 milhões de dólares. Se, como Mock sugere, o consumidor orgânico pudesse ser visto como um idiota, o maior desrespeito de Constant deve ter sido pelos reguladores e comerciantes orgânicos que acreditaram em sua palavra. Como o funcionário da Clarkson disse sobre Constant, “em sua mente, ele podia falar mal de qualquer um e não tinha medo de ser realmente pego.”

Não é difícil ver como Constant desenvolveu essa confiança. Quando ele era jovem, o Constitution-Tribune, jornal de Chillicothe, sempre tinha matérias admiráveis sobre ele. Ele era um zagueiro “duro” em seu time de futebol [americano] do ensino médio; mandou uma denúncia de vandalismo para a polícia; ele ganhou bolsas de estudo e arrecadou fundos para caridade. E ele estava claramente no caminho do sucesso agrário: em 1974, aos quinze anos, Constant tornou-se o “rei do celeiro” na sede local dos Futuros Agricultores da América. Constant viria a ser o presidente regional do grupo e a representar seu distrito em uma conferência nacional. Depois, ele ganhou um prêmio por sua administração de registros agrícolas e outro por sua recitação do juramento da organização, que inclui as seguintes palavras: “acredito que a agricultura americana pode e será fiel às melhores tradições de nossa vida nacional e que posso exercer uma influência em minha casa e comunidade que permanecerá sólida por minha parte nessa tarefa inspiradora.”

Nas conversas com parceiros de negócios, Constant gostava de dizer: “Olha, sou apenas um fazendeiro burro.” Foi o que John Heinecke disse sobre ele: “Diabos, ele não sabia nada sobre agricultura.” Isso provavelmente não é justo. Embora possa parecer estranho imaginá-lo a dirigir um trator com frequência, ele com certeza poderia participar de um bate-papo sobre tratores. “Randy sabia falar a língua da agricultura”, disse-me Lynn Clarkson. O discurso de vendas de Constant às vezes incluía um apelo inteligente à nostalgia: a agricultura orgânica, ele diria, era como “como fazíamos nos anos sessenta.”

Constant alugou algumas dezenas de acres de terras agrícolas perto de Chillicothe, e às vezes ele administrava milhares de acres em outros lugares. Mas quando ele se apresentava como um agricultor — digamos, quando concorreu ao Conselho Escolar de Chillicothe — o que ele fazia era simplificar uma carreira de agitação implacável. Constant vendia sementes, soja, peixe e imóveis; pensou em cultivar coentro, para os restaurantes Chipotle; e em plantar maconha; explorou até um investimento no “futebol de lingerie”, jogado por mulheres em trajes mínimos.

No entanto um ex-funcionário de Constant, que ansiava em lembrar suas melhores qualidades, descreveu-o para mim como “amigável e apresentável, mas calculista.” Outros associados compartilham impressões semelhantes. No início dos anos 2000, um jovem agricultor de soja, Ben Austic, passou uma semana com Constant em Londres. O evento era uma reunião que o Departamento de Agricultura do Missouri havia organizado para pessoas ligadas à agricultura orgânica. Austic, que desde então se tornou pastor batista, reparou que sempre que a conversa do grupo se afastava da agricultura orgânica — digamos, durante o intervalo de Les Misrérables — Constant fazia questão de retornar às oportunidades de vendas. “Eu não quero dizer isso de maneira maldosa, mas ele estava sempre tramando”, disse Austic. “Se você perdoar o termo, ele era um safado.”

EM 2006, CONSTANT começou a vender seus grãos através da Jericho Solutions, a corretora que ele montou com seu amigo John Burton. Em vez de negociar com um comerciante como Bushman, Constant era agora o seu próprio intermediário. Ele poderia repassar grãos e certificações para grãos para Linda Holthaus, a ex-assistente de Bushman. E Holthaus, desde o seu tempo com Bushman, sabia onde encontrar clientes. Na Jericho, Constant tinha agora uma almofada interna e confortável entre a fonte do seu grão e o seu eventual cliente. (Holthaus, que não foi acusada de qualquer irregularidade, não respondeu aos pedidos de entrevista.)

Em Junho e Agosto de 2007, duas matérias publicadas por The Organic & Non-GMO Report, uma revista do setor, deu as primeiras evidências públicas dos esquemas de Constant. Os artigos centraram-se em uma empresa de processamento de soja em Nevada. Essa empresa havia comprado alguns grãos de soja supostamente orgânicos da Jericho Solutions, mas eles tinham testado positivo para OGM. A contaminação teria custado à empresa 100 mil dólares. A revista citou Holthaus, que parecia desafiadora: “não houve qualquer problema do nosso lado. Tínhamos o rastreamento documentado… alguém está tentando nos acusar de algo que não fizemos.” Sem provas, ela jogou a culpa na soja chinesa que havia passado pelas instalações de Nevada. A processadora de soja disse, em resposta, que nunca teve um problema de OGM com a soja da China.

Perguntei a John Heinecke sobre este caso. Em 2007, ele já não tinha um contrato com a OLM, mas continuava aberto a trabalhar com Constant. A unidade de Nevada havia sido contaminada, segundo Heinecke, por “caralhadas de vagões de grãos Roundup Ready.” Aos gritos, revela: “E Randy sabia o que era, porque ele sabia o que havia comprado! Fui eu que vendi pra ele! Eu que vendi os malditos vagões!” Heinecke disse que comprou a soja de um proprietário de terras do Missouri para quem fazia o cultivo. “Eu falei: ‘Randy, estes são grãos Roundup Ready’. E ele: ‘Não me interessa. Coloque tudo no vagão. Eu dou um jeito nisso.’”

CONSTANT E BORGERDING, seu sócio na Organic Land Management, decidiram romper os laços em Abril de 2007. Eles concordaram que Constant poderia manter o nome da empresa. Borgerding disse-me que a separação foi amigável, resultante de uma crise de capital. Mas ele também declarou que, em 2006, Constant havia subnotificado a produção de soja em sua parte das fazendas da Organic Land Management. (“Houve uma seca no final do verão”, justificou Constant.)

Não há provas de que Borgerding esteve envolvido em irregularidades e a sua reputação no mundo orgânico continua favorável. Mas, como muitos outros ex-associados de Constant, ele não pôde dizer que ficou chocado quando, em 2017, um comboio de viaturas cheias de agentes federais apareceu em Oaklawn Drive. O ex-sócio havia captado algumas pistas preocupantes sobre os projetos paralelos ocultados por Constant. O odômetro do caminhão de Constant sugeria viagens incessantes: ele percorria centenas de quilômetros por dia. E Constant pressionava cada vez mais por investimentos questionáveis e de alto risco, como a compra de terras no Colorado. “O que diabos queremos fazer no Colorado?” Borgerding se perguntava. “Nunca chove lá.”

Borgerding acredita que se tornou um “peso morto” quando resistiu a tais esforços para acelerar a expansão da empresa. Foi aí que Constant encontrou outro caminho: “com Linda entrando, trazendo todos os seus contatos, de repente ele ganha um grande mercado. E isso tornou-se a sua atividade primária.”

Depois que Borgerding deixou a OLM, ele parou de falar com Constant. “É como se você estivesse em um dos botes salva-vidas do Titanic”, explicou. “Você está remando para longe da coisa o mais rápido que pode antes que ela afunde e te leve junto com ela.”

Em 2010, Constant ligou para Heinecke pela primeira vez em algum tempo: “John, eu preciso de um pouco de milho.”
“Sem problema. Temos meio milhão de alqueires.”
“Bem, vamos carregá-lo lá em Goss — no entroncamento ferroviário.”

Goss, a mais ou menos uma milha da casa de Heinecke, é um lugar tranquilo para fazer negócios: no último censo, a vila tinha uma população de zero. O entroncamento não era usado há anos. O fazendeiro normalmente mandava os grãos para Stoutsville, a seis milhas de sua casa, ou para o Rio Mississippi, a quarenta milhas de distância. “Até hoje, eu não descobri como Randy conseguiu abrir aquele entroncamento”, Heinecke me disse. O sucesso de Constant derivou em parte de seu domínio sobre o sistema de frete ferroviário, que ele parece ter aprendido durante seus anos de trabalho agrícola corporativo.

O agricultor concordou em fornecer para Constant. Este, segundo ele, ofereceu “mais do que o preço local, e mais do que eu poderia ganhar no rio” — um dólar por alqueire a mais do que outro comprador teria pagado, um lucro de pelo menos 20% na época. Um alqueire de milho pesa 56 libras. Os caminhões podem transportar entre 500 e 1000 alqueires. Um vagão de trem normalmente carrega 3500 alqueires, ou cerca de 100 toneladas. Quando Heinecke começou a fazer entregas de grãos em Goss, Constant geralmente lhe dava 48 horas para completar a tarefa. Nesse período, Heinecke poderia encher sete vagões. Ele contou que, dentro de um ano, tinha preenchido cerca de cem.

Aquele milho provinha de terras que Heinecke cultivava, como arrendatário, ou de terras lavradas por vizinhos. Nada era orgânico. O fazendeiro declarou que nunca afirmou que fosse: “Era não-OGM, mas eu estava usando fertilizantes modernos, tá? Fósforo e nitrogênio — as coisas que usamos em tudo. Eu usava herbicidas.” Ele prossegue: “vendia tudo para Randy Constant. Não vendi a mais ninguém.”

Heinecke não é um homem amável: ele é suscetível a teorias da conspiração sobre a COVID-19, e no dia em que nos encontramos ele anunciou o seu racismo com uma declaração aberta de preconceito. Ele está afastado de seu pai e de seu filho mais velho. Embora ele tenha dedurado os deslizes de Constant, o agricultor também pediu que eu não pressionasse os demais compradores sobre suas intenções. Ele se lembrou de uma vez ter perguntado a um comprador que havia comprado um pouco de milho mofado sobre o que pretendia fazer com aquilo. “Você gosta de fazer negócios comigo?” o comprador perguntou. “Nunca mais quero ouvir você fazer essa pergunta.” respondeu Heinecke.

Ele disse que sempre presumiu que Constant fazia vendas aos compradores de cereais não-orgânicos. Teoricamente, sim. Constant poderia ter tais clientes — ele fazia muita coisa acontecer — mas sua empresa de gestão de terras tinha “orgânico” no nome, e sua corretora se apresentava como dedicada ao “planejamento, produção e marketing de orgânicos.” Não há indícios de que Constant, nos anos em que comprou de Heinecke, tenha vendido grãos que não fossem descritos como orgânicos. Durante aquele período, o milho rotulado como orgânico muitas vezes valia o dobro do milho convencional. Quando um vagão partia de Goss, sua carga de 25 mil dólares era transformada em uma carga de 50 mil dólares.

Em 2010, Constant recebeu US$ 16,5 milhões por grãos orgânicos. Em 2015, o valor passou para US$ 24,4 milhões.

A JERICHO SOLUTIONS já afirmou ser o quarto maior fornecedor de alimentos orgânicos do país. Os pagamentos dos clientes deveriam ser depositados no Luana Savings Bank, em Luana (Iowa), uma vila com cerca de 300 moradores a umas 20 milhas da casa de Linda Holthaus. O banco fica à beira do vilarejo, rodeado por campos.

Em 10 de Fevereiro de 2017, por exemplo, um cliente bancário em Sonora, Califórnia, transferiu $419.417,50 para a conta da Jericho em Luana. Duane Bushman disse que Constant vendia regularmente cereais a uma empresa sediada em Sonora chamada Oakdale Trading. (O comerciante de cereais estabelecido também sabia desta relação.)

Bushman conhece o proprietário de Oakdale, Jim Parola, e lembrou-se de uma época em que Parola “começou a se gabar” de que, por um período de algumas semanas, ele tinha sido capaz de enviar dez vagões de milho de Constant por semana para a costa leste e dez cargas para a costa oeste. Bushman lembrou uma vez que perguntou a Parola sobre sua confiança no grão de Constant: “ele disse que, desde que tivesse uma certificação, era tudo o que ele tinha que se preocupar.” (Parola não respondeu aos pedidos de comentários.)

Um processador de soja em Iowa me disse que ele lidou com centenas de toneladas de Constant, mesmo depois de saber que o grão às vezes era carregado em um estacionamento do Walmart em Chillicothe. “Ficamos, tipo, ‘o Walmart não planta soja’”, lembrou, rindo. Holthaus tranquilizou-o: se Constant escondia a fonte dos seus cereais, com certeza era apenas para impedir que outros compradores fizessem ofertas aos seus agricultores. E assim o processador de Iowa continuou a aceitá-los. A soja foi certificada, lembrou-me; era tudo “de boa-fé.”

Depois de descobrir que Constant estava sob investigação criminal, o processador de Iowa continuou a trabalhar com Holthaus por mais um ano. Ele me disse, sem rodeios, “eu ganho dinheiro quando estou esmagando grãos.”

No início dos anos 2000, Sue Baird, formada em Ciências Avícolas, ajudou a criar o órgão estatal de certificação orgânica do Missouri e tornou-se ela mesma uma inspetora. Sua amizade com Constant começou por volta desse período, quando as fazendas da Organic Land Management no Missouri usaram brevemente sua organização para certificação, antes de mudar para QAI.

Em 2004, Baird ajudou a organizar o evento em Londres, para o qual convidou Constant. Durante dois anos, trabalhou na sede da QAI e mais tarde tornou-se presidente da Missouri Organic Association, uma associação comercial para fazendeiros. Agora ela faz parte do National Organic Standards Board, um comitê de alto nível cujos membros são nomeados pelo Secretário [Ministro] da Agricultura. Nesse comitê, cresceram as tensões entre o movimento orgânico da velha guarda e uma nova indústria empresarial, que muitas vezes não tem paciência e só quer crescer depressa. Em 2017, Baird apoiou a certificação orgânica de fazendas que dependem de hidroponia ou plantio sem solo — uma ideia escandalosa para alguns tradicionalistas.

Embora Baird tivesse um bom relacionamento com Constant, ela às vezes teve dúvidas sobre sua ética nos negócios. Borgerding contou que, pouco depois de romper os laços com Constant, ele queixou-se a Baird de que Constant parecia ter roubado sua parte da colheita de 2006. Ela disse-lhe que Constant tinha a reputação de ser desonesto com os seus clientes agrícolas contratados, acrescentando: “todo mundo sabe disso sobre Randy.” Chris Barnier, ex-funcionário da OLM, lembra que Baird lhe disse, em 2008, que “Randy Constant está traindo suas certificações orgânicas — simplesmente não sabemos como.” (Baird se lembra dessas conversas, mas também diz que nunca suspeitou de fraude por parte de Constant.)

Alguns anos depois, Baird aceitou uma oferta de emprego de Constant. Era um novo projeto paralelo: tentar montar um negócio de aquaponia em Trenton, meia hora a norte de Chillicothe, numa antiga fábrica de pipocas. Em uma operação aquapônica, as plantas são alimentadas por resíduos de peixes criados ao lado delas: o ideal é que uma cultura sirva de suporte para a outra. Baird ajudou a contratar funcionários e promoveu o projeto em uma conversa com o Rotary Club de Trenton.

De acordo com Larry Willis, um fazendeiro do Missouri que trabalhou no projeto aquaponia, Constant promoveu o empreendimento com extravagância. Seu projeto parecia ter uma fila de associados inexperientes — incluindo Steve Whiteside, um criador de porcos local; David Buttman, cunhado de Constant; e John Burton, seu parceiro na Jericho Solutions. Aparentemente, eles passavam os fins de semana pesquisando “aquaponia” no Google, e se encontravam todas as segundas-feiras com novos planos conflitantes. “Seria cômico, se não fosse trágico”, resumiu Willis.

Por volta de 2010, Constant viajou para o Colorado e visitou uma fazenda de piscicultura, situada no terreno de uma prisão na cidade de Cañon. Os proprietários do negócio, que incluíam um empresário chamado Steve Abernathy, pagavam uma taxa mensal à prisão, que cobria as contas de infraestrutura da fazenda e disponibilizava várias dezenas de presos como funcionários todos os dias. A tilápia criada na fazenda era vendida em lojas da Whole Foods da região. No final da visita, Constant surpreendeu Abernathy ao dizer: “quero comprar. Me dê um valor.”

Em pouco tempo, os dois homens chegaram a um acordo sobre o preço. Abernathy presumiu que Constant estava agindo para um investidor oculto. “Ele parecia ser um cara tão simples”, disse-me Abernathy. “Ele não parecia o tipo de cara que andava por aí escrevendo cheques de milhões de dólares.” E acrescentou: “na realidade, ele estava tentando lavar dinheiro.”

PAM CONSTANT, tal como o marido, frequentou o Chillicothe High School e depois a Universidade do Missouri. Ela planejava entrar para a faculdade de Direito. Mas, como disse uma vez a um repórter local, ela deixou de lado essa ambição durante sua primeira década peripatética de casamento, porque “raramente morávamos perto de qualquer faculdade de direito.” Depois que os Constant voltaram para sua cidade natal, Pam começou a lecionar em meio período na pré-escola da Igreja Metodista Unida. Vários anos depois, tornou-se professora de Inglês no Chillicothe High School.

De acordo com Randy, foi Pam quem lhe deu a ideia de usar “quixotic” em um nome comercial. Assim, a empresa de tilápia da cidade de Cañon tornou-se a Quixotic Farming. Em 2014, a startup abriu uma segunda fazenda, em um antigo Walmart no extremo sul de Chillicothe. O nome da Quixotic, segundo Constant explicou uma vez a uma revista especializada em frutos do mar, enfatizava a “tremenda aventura” que ele estava empreendendo. (Pam Constant recusou-se a ser entrevistada para este artigo.)

Constant, evidentemente, viu a piscicultura como uma oportunidade para replicar suas conquistas com os grãos — explorando um mercado disposto a pagar preços elevados por qualidades que são difíceis de detectar no ponto de venda. Atualmente, não existe peixe orgânico nos EUA: um peixe selvagem não é um produto agrícola, de maneira que o Departamento de Agricultura não tem jurisdição para fiscalizá-lo. Há resistência à ideia de certificação para peixes criados em viveiros. Assim, Constant tentou posicionar seu produto como algo extraordinariamente saudável e “sustentável”, colocando-se como um pioneiro da indústria orgânica. Quando Steve Whiteside, gerente de operações da Constant na piscicultura de Chillicothe, falou com um repórter local, ele comparou o produto da Quixotic com o peixe que, segundo ele, seria criado em condições de esgoto na China.

Era uma acusação ousada, dado que uma das ideias de Constant para a Quixotic seria fazer o peixe chinês passar como produto local. Ty Dick, que se tornou o chefe de operações da Quixotic em Cañon, contou que Constant certa vez lhe perguntou: “Por que você não vai conferir alguns desses lugares lá na China? Você poderia adquirir tilápia por centavos de dólar. É muito mais barato do que a gente criar.” Dick lembrou que reclamou, dizendo: “não podemos vender esses peixes à Whole Foods! Vai contra tudo o que estamos a dizer.” Mas Constant “falava, tipo, ‘você acha que eles notariam?” De acordo com Dick, Constant voltou mais tarde ao assunto: “tudo o que você precisa fazer é trazer esses filés pra cá, depois colocamos nosso tempero e nossa marca, e boom! agora é da América.”

Constant nunca concretizou isso. Em vez disso, ele parece ter feito a Quixotic funcionar como um portal para redistribuir os milhões de dólares que passaram por seus campos no Missouri e em outros lugares. A Quixotic pagou salários de 60 a 100 mil dólares ao filho de Constant, Lane; à sua filha, Claire; e ao marido de sua filha Morgan, Eric Ely. (Todos se recusaram a ser entrevistados para este artigo.) Estes familiares raramente eram vistos no local. Os peixes muitas vezes eram negligenciados. Como disse laconicamente um dos funcionários de Constant, sem os devidos cuidados “é muito provável que os peixes morram, ao contrário das vacas ou ovelhas.”

Antes de Dick começar a trabalhar na piscicultura de Cañon, ele havia sido um chef e um fornecedor culinário. Às vezes, ele se sentia nervoso por supervisionar um negócio multimilionário. Dick me disse: “Eu estava sempre telefonando, dizendo: ‘Por que você não vem à cidade? Vamos rever algumas destas coisas.’ Randy estava, tipo, ‘não, você fez certo! Está fazendo um ótimo trabalho! Continue!’”

Hector Sanchez, um detento que trabalhava na fazenda em Cañon, estava especialmente motivado e entusiasmado. Ex-traficante de droga nascido em Brooklyn, ele tinha sido condenado por agressão com uma arma mortal. Em 2015, logo após a liberdade condicional de Sanchez, Constant o contratou para ser gestor da piscicultura de Chillicothe, pagando-lhe 50 mil dólares por ano e dando-lhe uma moradia gratuita, num edifício que possuía. “Eu amei esse cara!” exclamou Sanchez. “A maneira como ele me tratou — eu nunca vivi tão bem, legalmente, na minha vida.”

Pouco depois, Constant deu a Sanchez um serviço paralelo. O ex-detento deveria dirigir até à antiga fábrica de pipocas em Trenton, que, devido à sua atividade anterior, tinha três depósitos de grãos no local. Sua tarefa era embarcar os grãos desses depósitos em caminhões; enquanto ele fazia isso, outros caminhões às vezes chegavam para reabastecer os depósitos. Constant nunca explicou o que estava acontecendo. “Eu também nunca perguntei”, justifica-se Sanchez. Agora está claro que essas transferências ajudaram Constant a colar uma nova origem, orgânica, aos grãos não-orgânicos que negociava.

Pode parecer injusto que Constant tenha contratado alguém recém-saído em liberdade condicional apenas para envolvê-lo em atividades criminosas. “Eu não vou dizer que não foi justo”, disse-me Sánchez. “Randy nunca fez nada para prejudicar alguém de propósito.” Para o ex-prioneiro, “ele estava nisso pelo dinheiro. Ganância… isso é tudo. Você começa a ganhar dinheiro e você quer mais… é um vício, cara.”

LOGO DEPOIS que Constant conheceu Steve Abernathy, o empresário que lhe vendeu a fazenda de piscicultura do Colorado, ele perguntou: “por que você não vem a Las Vegas conosco? Vai rolar algo grande.” Era uma clara sugestão de pura aventura. Abernathy achou o convite chocante: “Pareceu muito fora da personalidade dele. Ele era muito quieto e sério a maior parte do tempo. Daí aparece e diz, ‘ei, quer sair pra jogar?’”

Não muito tempo depois de Ty Dick ter começado a trabalhar para a Quixotic em Cañon, Constant ligou: “Ei, o que está fazendo?” Dick respondeu que estava trabalhando. “Venha para Las Vegas!” convidou Constant. “Estaremos lá dentro de três horas. Em quanto tempo você pode chegar lá?” Dick voou para Las Vegas naquele mesmo dia e se encontrou com Constant e John Burton, que agora também estava envolvido com a Quixotic. Constant e Burton sorriam de orelha a orelha. Ficou imediatamente claro, segundo Dick, “que esses caras fazem isso há bastante tempo, que eles têm seus lugares cativos.”

Dick ficou atônito com o que viu. Constant havia sido líder de viagens missionárias para jovens de uma igreja com opiniões firmes sobre o pecado de jogar. Mas ele e Burton — um homem quieto cujo hobby barulhento era inscrever veículos envenenados corridas de tratores — esbanjavam sem limites aparentes. Dick foi claro: “o meu limite é de vinte dólares. Disso a noite não passa.” Quando o empregado anunciou que estava pronto para pendurar o chapéu, Constant entregou-lhe milhares de dólares em fichas. “Gaste por mim”, disse ele.

“Eu não fiquei encantado, mas certamente fiquei impressionado”, disse Dick. “E eles podiam ver isso. E a diversão adora companhia.” Mais tarde, ele passou a pensar nesse primeiro convite como um teste: ele faria fofoca sobre Vegas no Colorado? Fora um relato em tom de espanto para sua esposa, ele não contou nada — e ele foi frequentemente convidado de volta. Os homens tendiam a ficar no Bellagio e tinham motoristas 24h por dia. Constant comprava ingressos para lutas de MMA e rodeios, reservando todos os assentos ao redor — um bloco de “talvez setenta e cinco”, disse Dick. Ele assegurou-me que sentar em isolamento era mais divertido do que parece. Acrescentou: “houve muito mais dinheiro gasto com mulheres.”

À noite, Constant e Burton eram regularmente acompanhados pelos mesmas acompanhantes, a quem o grupo se referia como “the Vegas girlfriends.” Dick disse que em uma de suas primeiras viagens havia “acompanhantes esperando por mim na minha suíte.” Ele disse que recusou suas ofertas: “eu estava um pouco assustado com as reações da minha esposa. Mas é que não é a minha praia.” Abernathy disse-me que Constant parecia tentar compensar o tempo perdido. “Ele é um cara de cidade pequena”, disse ele. “Ele nunca saiu para fazer nada.” (John Burton não pôde ser contatado para comentar o assunto.)

Dave Chapman é um fazendeiro de Vermont que, em 2018, fundou um grupo chamado Real Organic Project para protestar contra o que ele e outros veem como a diluição de princípios no Programa Orgânico Nacional [dos EUA]. Recentemente, Chapman me deu a seguinte interpretação do comportamento de Constant: “ele conseguiu todo esse dinheiro sem merecimento, e isso meio que o destruiu. É como Fausto! Randy, não faça isso. Não venda sua alma!”

É RARO QUE UMA fazenda perca uma certificação orgânica. Se um certificador vê evidências de más práticas, as consequências demoram para aparecer. O fazendeiro é instigado a fazer correções e, se continuar a ser considerado fora dos conformes, pode ser convidado para uma mediação. Somente após o fracasso de todos esforços é proposta uma anulação do certificado. E a suspensão real pode demorar mais um ano para entrar em vigor.

O Programa Orgânico Nacional aceita reclamações do público e das partes interessadas. Mas, como Sam Welsch, fundador da OneCert, uma empresa de certificação de longa data, me disse: “Parece que quando você reporta algumas coisas, eles procuram razões para não ter que investigar.” Para Lynn Clarkson, da Clarkson Grain, o sistema foi criado de tal forma que “enquanto alguém estiver coberto pela documentação em papel, ninguém vai atrás deles.” Ele argumentou que, em toda a indústria, há um receio de quebrar algo frágil. “É assim: eu me levanto e falo sobre a fraude que está acontecendo? Mas isso vai fazer mais bem ou mais mal? Vou matar o movimento? Será que vou destruir o mercado que estou tentando aperfeiçoar?”

O Programa Orgânico Nacional nunca penalizou Constant por irregularidades. E em 2018, quando o Ministério da Justiça finalmente indiciou Constant por seus crimes, o mandado não obrigou aqueles que ajudaram a colocar seus grãos no mercado — certificadores, comerciantes de grãos, fabricantes de alimentos, varejistas — a informar os consumidores orgânicos que haviam sido enganados.

Embora o caso com o governo remonte a 2010, as minhas conversações com os comerciantes de cereais e outros sugerem que a fraude da Constant provavelmente havia começado já em 2001. Qualquer americano que comprasse regularmente produtos orgânicos de supermercado enquanto Constant continuava a seguir seu esquema provavelmente comprava produtos rotulados incorretamente. Mas a indústria orgânica — por mais alarmada que fosse sua discussão interna — parecia disposta a deixar o público no escuro. Este comportamento ainda sobrevive: o Programa Orgânico Nacional recusou-se a discutir qualquer aspecto da carreira de Constant para este artigo.

Na época em que The Organic & Non-GMO Report escreveu a matéria sobre a Jericho Solutions, em 2007, Glen Borgerding e Duane Bushman disseram aos seus certificadores que estavam desconfortáveis com as atividades de Constant. Borgerding sugeriu que a QAI submetesse Constant a uma inspeção sem aviso prévio. Apesar dessas preocupações sobre Constant, há pouca evidência de que elas resultaram em um maior controle dos reguladores sobre suas ofertas de grãos.

Em 2012, a Constant vendeu um caminhão de soja — cultivado por Tom e James Brennan, em Nebraska, e descrito como orgânico — para uma empresa inspecionada pela OneCert, de Sam Welsch. Aquela carga foi testada como 100% OGM. Quando Welsch me recordou este episódio, ele não mencionou o nome do seu cliente, mas mais tarde eu pude saber que era a Scoular, uma empresa de cereais com sede em Nebraska, com mais de 4 bilhões de dólares em receitas anuais. A Scoular já havia empregado Constant como vendedor. Welsch apresentou uma queixa ao Programa Orgânico Nacional em nome da Scoular. Ele me disse que o Programa fez um telefonema para Scoular; depois disso, não houve mais resposta. Welsch manteve e-mails demonstrando que, durante os seis anos seguintes, ele pressionou funcionários da agência — incluindo Miles McEvoy, que dirigiu o Programa Orgânico Nacional entre 2009 e 2017, e Matthew Michael, então diretor da Divisão de Conformidade e Execução do órgão.

Em 2014, o Programa Orgânico Nacional recebeu outra queixa sobre Constant, do comerciante de cereais estabelecido. Esse comerciante me disse que, naquele ano, ele passou a ver Constant com ceticismo: “todos nós vamos para as mesmas feiras e saíamos para tomar cervejas — estamos todos em ambiente de competição amigável. E então aparece esse cara com quem ninguém nunca falou para dizer que está vendendo tudo isso de grão?” A oferta de milho orgânico andava então “um pouco apertada” e o grão era vendido por mais de 400 dólares/tonelada. Quando esse comerciante conversou com um cliente regular em Nebraska, o cliente disse: “Oh, acabei de comprar um monte de milho a 375.” O comerciante estava morrendo de vontade de saber a fonte desse fornecimento, mas não perguntou por achar que isso pareceria pouco profissional. Seu cliente também disse: “Se vocês precisarem de um pouco, eu venderia um vagão ou dois.” O comerciante encomendou dois vagões. Lembrando-se disso, ele riu e disse: “nós literalmente fizemos isso apenas para ter uma ideia de quem diabos estava vendendo esse milho tão barato.” O nome na papelada, acrescentou, era “o nome que suspeitávamos.”

Nenhuma análise química poderia ter resolvido a questão de saber se esse milho havia sido corretamente descrito como orgânico. No entanto, Constant, numa época de escassez de milho, promovia a venda de milho a granel, a preços muito abaixo do mercado. (O comerciante acredita em fair market, mas não é um mártir: os duvidosos vagões de Constant que ele comprou naquele dia eram certificados como orgânicos, e foram vendidos como tal.)

Na reclamação do comerciante ao Programa Nacional de Orgânicos, ele escreveu: “Eu tenho a forte impressão de que há uma grande fraude ocorrendo na indústria de grãos orgânicos. Por favor, levem isso a sério.” Ele descreveu — com astúcia — o que suspeitava estar acontecendo: Constant estava comprando grãos não-orgânicos, anexava certificações orgânicas a eles e depois os vendia através da Jericho Solutions, que lhe deu “outra camada para protegê-lo”.

Algumas semanas mais tarde, Matthew Michael, oficial de conformidade do Programa Orgânico Nacional, enviou um e-mail ao comerciante: “nossa investigação não encontrou nenhuma violação aparente dos regulamentos orgânicos do Departamento de Agricultura dos EUA. O caso está encerrado.” O comerciante perdeu a cabeça. Ele me disse: “eu liguei pra esse cara, o tal Michael, e deixei um puta recado na secretária eletrônica, avisando: ‘minha próxima chamada vai ser para os jornais! Esse arquivamento é uma bosta. Como é que não podem investigar isto?” (Michael, que continua a ser funcionário do Departamento de Agricultura, não respondeu a um pedido de comentário.)

McEvoy, o principal funcionário do Programa Orgânico naquele momento, disse que, durante esta época, a agência estava com recursos limitados e um acúmulo de reclamações. Ele falou das atuais propostas do Programa para combater fraudes — mas não conseguiu explicar o e-mail de Michael. Pelas lembranças de McEvoy, havia pelo menos uma outra queixa sobre Constant nessa época, ligada a um teste OGM fracassado na Pensilvânia. Talvez tenha sido essa infração, e não a gritaria do comerciante, que acabou por levar a uma ação do governo.

Poucos meses depois de o comerciante ter recebido o e-mail de encerramento de Michael, ele recebeu um telefonema de Brad Meyer, do Gabinete do Inspector-Geral do Departamento de Agricultura, que agora supervisionava um inquérito criminal sobre o assunto. Meyer, que tem quarenta anos, é um ex-policial militar. Ele tem um aperto de mão firme. Como ele e seus colegas lidavam com casos de fraude em todo o setor agrário, ele não tinha nenhum conhecimento específico sobre agricultura orgânica na época. Meyer perguntou ao comerciante como o milho era testado para determinar se é orgânico.

“Bem, você realmente não pode fazer isso”, disse o comerciante.

O quê?” Meyer disse.

N O OUTONO DE 2015, mais de um ano após a investigação criminal — que passou a incluir a vigilância de atividades de troca de cereais por vezes realizadas por Hector Sanchez — a QAI suspendeu a sua certificação da Organic Land Management. Sem hesitar, Constant, obteve uma nova certificação, em seu próprio nome, de MOSA, uma empresa de Wisconsin. (Steve Walker, responsável de certificação da MOSA disse que Constant nunca mencionou a suspensão feita pela QAI)

Naquele ano, Constant plantou uma grande safra de soja orgânica em terrenos de uma prisão federal em Forrest City, Arkansas. Ele havia fechado um acordo para compartilhar os lucros da safra com a prisão meio-a-meio. Um homem que ele havia contratado para ajudar a executar esse negócio, Dave Block, logo ficou confuso sobre suas ordens. “Ele realmente não fez muita questão dos orgânicos”, disse-me Block. Constant forneceu sementes não-orgânicas e, em seguida, mandou “colocar qualquer fertilizante que ele quisesse.”

Administrar uma fazenda orgânica fraudulenta em terras de uma prisão federal é sinal de um apetite incomum por risco. Block às vezes se perguntava se Constant tratava seu trabalho no interior das prisões como um seguro contra um eventual acerto de contas com a Justiça. Block lembrou que Constant tinha planos — nunca realizados — de estabelecer uma fazenda orgânica na prisão de Leavenworth, ao norte de Kansas City. Aquele era o lugar onde um homem de Chillicothe condenado por crimes federais não-violentos provavelmente cumpriria sua sentença.

Steve Smith, especialista em mão-de-obra de detentos que ajudou a organizar o negócio do Arkansas, considera hoje as infrações de Constant com um certo grau de indulgência: riu-se ao recordar-me o dia em que soube que Constant aparentemente tinha renegado o acordo de partilha de lucros. “Eu realmente gostei desse cara”, disse Smith. “Ele parecia muito bom cristão. O Randy era uma boa pessoa, muito boa.”

EM 2016, QUANDO toda a produção de milho orgânico do Missouri e Nebraska era de cerca de 2,4 milhões de sacas, Constant vendeu 1,8 milhão de sacas de milho supostamente orgânico. A sua produção de milho naquele ano equivalia a cerca de 7% da agricultura orgânica nacional. Suas vendas de soja representaram 8%.

John Heinecke disse-me que provavelmente havia vendido mais de metade de todo esse grão. As necessidades de Constant tornaram-se aparentemente ilimitadas, e os seus hábitos de compra adotaram um ar frenético, que Heinecke supõe agora estar ligado a uma fraqueza pelo jogo: “ele queria tantos desses malditos grãos. Ele nunca teve um momento de dizer chega.” Heinecke disse que às vezes transportava grãos para Chillicothe e “os deixava ao lado da fazenda de piscicultura.” Em outras ocasiões, caminhões enviados por Tom Brennan, o veterano do Vietnã, e seu filho pegavam os grãos de Heinecke e os transportavam de volta para Nebraska.

Heinecke disse-me que Constant nunca lhe pagou integralmente. Durante o almoço, no Applebee’s em Chillicothe, implorava-lhe que se acertasse. “Se ele devia 380, ele me enviaria 300”, disse Heinecke. “O suficiente para que você pudesse sobreviver e continuar funcionando.”

Em Maio de 2017, quase três anos depois de Brad Meyer e seus colegas terem iniciado a investigação criminal, Constant foi incluído em uma lista de “10 agricultores de sucesso” numa matéria da revista Sucessful Farming. No mesmo mês, ele aconselhou Heinecke a arranjar um advogado de defesa. Heinecke se lembra de perguntar a ele: “o que diabos você fez?” No dia seguinte, de acordo com Heinecke, Meyer e outro agente cumpriram uma intimação em sua casa. Em junho daquele ano, agentes executaram um mandado de busca na casa de Constant em Oaklawn Drive. Por volta dessa época, Constant pediu a Hector Sanchez que abandonasse o alojamento sem aluguel em Chillicothe. Como Sanchez lembrou, “ele disse: ‘merda, está acontecendo agora. Preciso de arrumar algumas coisas.’ ”

Constant e seu advogado começaram a negociar com a Procuradoria dos EUA no distrito norte de Iowa, que havia acumulado evidências consideráveis sobre a fraude. Constant fechou a Quixotic, e alguns dos seus ativos parecem ter sido transferidos para uma nova organização, a Innovative Aquaculture Alliance, que utilizou a casa do seu filho como endereço de registro. Na primavera seguinte, o Walmart que havia sido transformado em piscicultura foi demolido.

E M MAIO PASSADO, Steve Whiteside, o criador de porcos, foi condenado num tribunal de Kansas City pela sua participação no esquema de Constant. Homem atarracado e bronzeado na casa dos cinquenta anos, ele usava um casaco esportivo cinza e calças; óculos de leitura de meia-lua repousavam na ponta do nariz. Sua esposa, Mary Pat, uma professora aposentada, sentou-se atrás dele, nos bancos públicos.

Foi o último dos seis homens a ser condenado por crimes relacionados com os golpes de Constant. Whiteside admitiu ter assinado um documento sobre o uso da terra que sabia ser falso. No tribunal, Jacob Schunk, procurador-assistente dos EUA em Cedar Rapids, pressionou por uma sentença de prisão. Deturpar um produto como orgânico não deve ser considerado um crime sem vítimas, argumentou Schunk: os danos foram causados não apenas aos consumidores — que pagaram por algo que não receberam — mas também aos agricultores orgânicos honestos que foram forçados a concorrer contra fraudes. Schunk terminou em uma pose suplicante, de braços levantados. Agricultores mais virtuosos “podem não estar no tribunal”, disse ele. “Mas eles vão descobrir se vale a pena fazer a coisa certa.”

Whiteside recebeu três anos de liberdade condicional e foi multado em 45 mil dólares. Antes de sua sentença, ele falou ao tribunal sobre o trabalho que fez com Constant, que não envolvia grãos fraudulentos. “Desenvolvi muitas fazendas de tilápia… tilápia altamente sustentável”, disse ele, acrescentando: “minha esposa e eu trabalhamos 36 anos para acumular os ativos financeiros que temos.” Isso inclui uma casa à beira-lago de meio milhão de dólares, perto da de Heinecke. A voz de Whiteside ficou embargada. “Eu quero que vocês saibam das circunstâncias em torno da ligação com Randy”, disse ele. “Eu confiei nele. Nossas esposas davam aulas de inglês juntas. Ficamos bons amigos, tal como aconteceu com centenas de outras pessoas da nossa comunidade. Fiquei chocado quando soube dos seus crimes.” Quando ele se sentou, ele estava chorando.

Constant e outros quatro homens já haviam se declarado culpados em casos relacionados. O esquema, declararam os promotores, lavou mais de 142 milhões de dólares em vendas de grãos orgânicos falsos entre 2010 e 2017. Não houve julgamentos, e o funcionamento do regime foi esboçado apenas em linhas gerais. Constant, junto com Tom e James Brennan, e Mike Potter, seu vizinho de Nebraska, se declarou culpado de fraude fiscal. John Burton declarou-se culpado de conspiração para cometer fraude fiscal.

Constant fez o seu apelo em dezembro de 2018. O Procurador Adjunto dos EUA, Anthony Morfitt, que trabalhou no caso com Jacob Schunk, disse-me que Constant “era uma pessoa naturalmente gregária” e “parecia muito confortável e relaxado” no tribunal. Foi libertado antes da sentença. Sua casa estava agora estava à venda.

Hector Sanchez havia conseguido um emprego em Iowa. Recebeu ordens para não ter qualquer contato com Constant e, durante muito tempo, obedeceu. Mas, na primavera de 2019, Sanchez estava em Chillicothe e dirigiu até Oaklawn Drive. Constant saiu para a calçada para conversar. Estava a fazer as malas. Sanchez lembrou: “ele está deixando sua linda, enorme e linda casa em que criou seus filhos.” A audiência de condenação de Constant estava marcada para alguns meses depois, em agosto. “Ele estava sem medo”, disse Sanchez.

Em 16 de Agosto de 2019, 39º. aniversário de casamento de Constant, ele compareceu ao tribunal pela segunda vez. Antes de sua sentença, ele havia assinado uma declaração que incluía um reconhecimento de seus gastos em Las Vegas. (Schunk me disse: “é relevante como você está gastando o dinheiro que está roubando.”) A declaração, que Constant não leu no tribunal, observou: “durante a minha viagem a Las Vegas, desenvolvi relações sexuais com três mulheres pelas quais prestei apoio e pelas quais paguei algumas despesas.”

“Eu transferi mais de US $ 2.000.000 para entidades relacionadas a essas mulheres... Partilhei também uma conta bancária com uma destas mulheres, a partir da qual, durante um período superior a um ano, foram utilizados aproximadamente 110.000 dólares para pagar os parcelamentos do seu carro e seguro, cirurgia plástica na forma de aumento dos seios, viagens para Espanha e outras contas e despesas.”

Naquela tarde, Mark Weinhardt, advogado de Constant, mencionou as atividades de caridade do seu cliente em Chillicothe. Recordou igualmente ao tribunal de justiça que a certificação orgânica se aplica tecnicamente às terras, e não a qualquer cultivo específico. “Tudo o que aconteceu”, argumentou ele, foi que “ alguns vagões adicionais foram alegados como provenientes da terra que foi de fato certificada.” O esquema cresceu, disse ele, a partir da percepção de “como isso era simples.” John Heinecke — que uma vez foi informado por um de seus advogados que Constant havia tentado pintá-lo como o mentor do esquema — estava na cadeira pública do tribunal naquele dia.

Antes de Constant ser condenado, ele fez alguns comentários, com uma compostura que os detratores podem descrever como untuosa. “Tenho contribuições que posso fazer para melhorar a vida dos outros”, disse ele. “Eu me esforço para ser um aprendiz e um ajudante. Na prisão, terei oportunidades em programas onde posso oferecer meus talentos para ajudar outros presos.” Referiu-se às suas empresas prisionais: “a minha motivação foi proporcionar a oportunidade de construir novos conjuntos de competências e ética de trabalho para os envolvidos. Ironicamente, agora também serei recluso.”

O juiz presidente, C. J. Williams, observou que Constant era como o grão orgânico que ele vendia: “não o que se anuncia.” Williams condenou-o a dez anos e dois meses. Constant foi libertado antes do início da sua pena de prisão.

HEINICKE, recordando a aparição de Constant no tribunal, disse: “ele estava prestes a chorar quando leu sua grande declaração sobre todas as coisas boas que fez! Eu pensei: ‘você é um idiota se você acha que um juiz vai acreditar em tudo isso’.”

A raiva que Heinecke ainda dirige a Constant pode ser parcialmente tática, a fim de se distanciar do esquema. E Heinecke nunca me queixou de ter sido abandonado. Em vez disso, sua queixa central era que Constant o havia deixado endividado. No final do último e frenético ano de vendas de cereais de Constant, ele devia a Heinecke mais de dois milhões e meio de dólares. Em 2017, Heinecke processou Constant. “Eu sabia que se não pedisse o meu maldito dinheiro, isso me faria parecer mais culpado do que nunca”, ele me disse. Ele nunca recebeu o seu dinheiro. Heinecke encontra-se agora na terceira reestruturação da falência. “Isso me quebrou”, disse ele.

Heinecke não foi acusado de nenhum crime. Enquanto estávamos na entrada de sua casa no lago, ele se lembrou de uma conversa com seu advogado: “ele disse: ‘Eles acham que você tem muito dinheiro para o seu milho e feijão!’ Ele disse: ‘garanto-lhe, vamos ter um monte de velhos agricultores lá em cima, em Iowa, no júri — eu vou tirá-lo [de lá]. Nenhum deles vai dizer que você tem demais! Você nunca pegou demais!’”

Uma semana antes da audiência de Constant, Sanchez foi preso por furto. Mais tarde, ele foi condenado e preso, e desde então foi libertado.

Quando falei com Sanchez, ele vivia num motel numa pequena cidade de Iowa, e tinha acabado de terminar um turno numa mercearia. Ele disse que não havia nada de vergonhoso no crime de Constant: “PQP, se você pode ganhar 142 milhões!” Mas, como Sanchez viu, Constant havia sido humilhado pela confissão de Vegas. Os detalhes de sua vida oculta “jogaram uma máscara suja em seu rosto.”

Clarence Mock, o advogado de defesa de Mike Potter, disse de Constant: “ele parecia um tipo gentil de cara. Mas muitas pessoas que estão envolvidas em grandes fraudes — o que dizem sobre os sociopatas? Você quer tomar uma cerveja com eles. Muito charmoso.” Ele lembrou o comportamento de Constant no dia de sua sentença. “Ele estava apenas agindo como se fosse aceitar”, lembrou Mock. “Ele não parecia particularmente ansioso, estridente ou combativo. Ele estava calmo.”

Os Constant se mudaram para metade de um bangalô de duas famílias, a um quarteirão e meio de onde Randy morava quando bebê. Em 19 de Agosto de 2019, o Chillicothe Constituição-Tribune publicou uma matéria em que reconhecia os seus crimes — é a única matéria desse tipo. Constant, que outrora era o herói da cidade, foi descrito como “ex-morador de Chillicothe.” Nesse mesmo dia, suicidou-se por envenenamento por monóxido de carbono, num carro estacionado na sua garagem.

Tom Brennan, o veterano do Vietnã, foi libertado da prisão em Dezembro de 2019, aos 72 anos. Ele morreu em um acidente de carro vários meses depois.

IAN PARKER é jornalista e mora em Nova York. Ele começou como colaborador da “New Yorker” em 1992 e foi efetivado como repórter em 2000. Desde então, Parker já fez perfis de figuras notáveis como o fotógrafo Sebastião Salgado, o jornalista Christopher Hitchens e o cantor Elton John. Esta grande reportagem sobre a maior fraude na agricultura orgânica dos EUA foi publicada originalmente na “New Yorker” em 8 de Novembro de 2021.

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Renato Pincelli

Bibliotecário, bibliófilo, jornalista, tradutor e divulgador científico que não tem twitter porque detesta limites de palavras. Não necessariamente nessa ordem.