A próxima década pode ser ainda pior

Um historiador acredita ter descoberto leis que preveem a ascensão e a queda das sociedades — e ele tem más notícias.

Renato Pincelli
21 min readApr 4, 2022
Arte de Nicolas Ortega para a Atlantic.

Por Graeme Wood, para a Atlantic (Dezembro de 2020). Tradução de Renato Pincelli.

PETER TURCHIN, um dos maiores especialistas do mundo em besouros-dos-pinhos (e talvez em seres humanos) me encontrou com hesitação neste verão, no campus da Universidade de Connecticut em Storrs, onde leciona. Como muita gente durante a pandemia, ele optou por limitar seus contatos humanos. Ele também tem dúvidas se esse contato humano teria alguma necessidade, dado que seus modelos matemáticos poderiam me dizer tudo o que eu queria saber.

Mas ele tinha que sair de seu escritório em algum momento. “Você pode notar que sou russo porque não consigo pensar sentado”, disse-me. “Tenho que sair para caminhar.” Nenhum de nós havia visto muita gente desde que a pandemia havia fechado o país meses antes. O campus estava quieto. “Ainda mais na semana passada, foi como se tivesse caído uma bomba de nêutrons”, observou Turchin. Os animais estavam timidamente retomando o campus: esquilos, marmotas, cervos, até um gavião ocasional. Durante nossa caminhada, apenas os jardineiros e algumas crianças em skates representavam a população humana.

O ano de 2020 foi uma bênção para Turchin, pelos mesmos motivos que foi um inferno para todo mundo. Cidades em chamas, líderes eleitos endossando violência, maré de homicídios — para um americano normal, são sinais apocalípticos. Para Turchin, indicam que seus modelos, que incorporam milhares de anos de dados sobre história humana, estão funcionando. “Não toda a história humana”, ele me corrigiu. “Só os últimos 10 mil anos.”

Faz uma década que ele vem chamando a atenção para algumas tendências sociais e políticas que apontam para uma “era da discórdia”, um período de agitação civil e carnificina pior do que a maioria dos americanos já experimentou. Em 2010, ele previu que a agitação se tornaria séria por volta de 2020 e que não passaria a menos que essas tendências sociais e políticas fossem revertidas. No melhor cenário, haveria tumultos do mesmo nível dos anos 1960 e 1970; no pior, uma guerra civil.

Os problemas fundamentais, segundo Turchin, são uma tríade sombria de males sociais: uma elite inchada, com poucos cargos de elite disponíveis; o declínio no padrão de vida da população em geral e um governo que não consegue manter suas obrigações financeiras. Seus modelos, que traçam esses fatores em outras sociedades ao longo da história, são muito complicados para se explicar de maneira que não seja técnica. Mas eles conseguiram impressionar escritores de publicações não-técnicas, garantindo-lhe comparações com outros autores de “mega-histórias” como Jared Diamond e Yuval Noah Harari. Ross Douthat, colunista do New York Times, não achou os modelos históricos de Turchin convincentes, mas 2020 o converteu: “A essa altura, sinto que é preciso prestar mais atenção nele”, admitiu Douthat num podcast recente.

Diamond e Harari buscam descrever a história da humanidade. Turchin olha para um futuro distante, de ficção científica. Em War and Peace and War (2006), seu livro mais acessível, ele se compara a Hari Seldon, o “matemático azarão” da série Fundação, de Isaac Asimov, que pode antecipar a ascensão e queda de impérios. Dos dados extraídos destes 10 mil anos, Turchin acredita ter encontrado leis sólidas, que ditam os destinos das sociedades humanas.

Para ele, o destino de nossa própria sociedade não vai ser bonito, pelo menos não a curto prazo. “É tarde demais”, disse Turchin enquanto passávamos pelo Mirror Lake, local que o site da UConn descreve como o favorito dos estudantes para “ler, relaxar ou montar num balanço de madeira”. Os problemas são profundos e estruturais — não o tipo de coisa que o tedioso processo de modificação democrática pode consertar a tempo de impedir o desastre.

Turchin compara os EUA a um navio gigantesco em rota de colisão com um iceberg: “se houver uma discussão entre os tripulantes sobre de que lado desviar, não vai haver tempo para o desvio e o choque com o iceberg será direto.” Os últimos 10 anos têm sido como essa discussão. O estrondo ensurdecedor que se escuta agora — aço rompido, rebites estourando — é o som do navio batendo no iceberg.

“Temos quase certeza” de cinco anos infernais, prevê Turchin e provavelmente uma década ou mais. O problema, aponta ele, é que há muita gente como eu. “Você é a classe governante”, disse-me, com menos rancor do que se me apontasse o cabelo castanho ou um iPhone um pouco mais novo que o dele. Dos três fatores que impulsionam a violência social, Turchin ressalta com veemência a “superprodução de elite” — a tendência das classes governantes a crescer mais rápido do que os papeis que podem ser assumidos por seus membros.

Uma classe dominante pode crescer biologicamente — pense na Arábia Saudita, onde nascem mais príncipes e princesas do que cargos reais que podem ser criados para eles. Nos EUA, a superprodução de elites se dá pela mobilidade econômica e educacional: cada vez mais gente enriquece, cada vez mais gente tem ensino superior. Nada disso, individualmente, parece ruim. Não queremos que todos sejam ricos e educados? O problema começa quando o dinheiro e os diplomas de Harvard tornam-se vazios como os títulos de nobreza sauditas. Se muita gente os tem, mas só poucos detêm o poder real, quem está sem poder se voltará contra quem tem.

Nos Estados Unidos, contou Turchin, é possível observar cada vez mais aspirantes concorrendo pela mesma vaga, digamos, num escritório de advocacia de prestígio, num cargo público ou (levando-me para o lado pessoal) uma revista nacional. Talvez por notar alguns furos em minha camiseta, Turchin notou que uma pessoa pode ser parte de uma elite ideológica em vez de econômica.

Ele não se vê como parte de nenhuma. Um professor, disse-me, alcança no máximo algumas centenas de alunos. “Você alcança centenas de milhares” de leitores. Vagas de elite não se multiplicam tão rápido quanto as elites. Ainda existem somente 100 cadeiras no Senado [americano], mas existe cada vez mais gente com dinheiro ou formação suficientes para achar que deveriam estar administrando o país. “Agora temos uma situação em que há muito mais elite lutando pela mesma posição e parte dela se tornará contra-elite”, explica Turchin.

Donald Trump, por exemplo, tem cara de elite (pai rico, diploma de Wharton, aposentos dourados), mas o Trumpismo é um movimento de contra-elite. Seu governo está repleto de figuras anódinas que foram excluídas dos governos anteriores — às vezes por bons motivos, às vezes porque o circuito universitário simplesmente não tinha cargos vagos. Para Turchin, Steve Bannon, ex-conselheiro e estrategista-chefe de Trump, é um “exemplo paradigmático” de contra-elite. Ele foi criado na classe trabalhadora, passou pela Harvard Business School e enriqueceu como banqueiro de investimento e por possuir uma pequena parcela nos direitos de distribuição de Seinfield. Nada disso se traduziu em poder político antes de ele se aliar com gente comum. “Ele foi um contra-elite que usou Trump para se promover, para colocar homens brancos da classe trabalhadora de volta ao poder”, diz Turchin.

A superprodução de elite cria contra-elites e estas buscam aliados na população comum. Se os padrões de vida da população escorregam — não em relação às elites, mas ao que as pessoas tinham antes — ela aceita a aproximação das contra-elites e começa a afiar seus machados. Com a piora da vida da população, os poucos que tentam se salvar pulando no bote salva-vidas da elite são empurrados pelos que já estão lá. O estágio final do colapso iminente, diz Turchin, costuma ser a insolvência do Estado. Em algum momento, a crescente insegurança torna-se muito cara. As elites têm que pacificar os cidadãos infelizes com concessões e presentes — e quando isso se esgota, passam a policiar dissidentes e oprimir pessoas. No fim, o Estado zera todas as soluções de curto prazo e o que até então era uma civilização coesa passa a se desintegrar.

Seria fácil desconsiderar os prognósticos de Turchin como mera especulação de botequim se a desintegração não estivesse acontecendo agora, mais ou menos como o Profeta de Storrs previu há 10 anos. Se os próximos 10 anos forem tão sísmicos quanto ele diz, suas ideias terão que ser levadas em conta por historiadores e cientistas sociais — supondo, claro, que até lá ainda existam universidades capazes de sustentar tais pessoas.

Peter Turchin na Floresta de Natchaug, Connecticut. O ex-ecologista quer aplicar o rigor das ciências exatas aos estudos históricos. [Foto: Malike Sedibe/Atlantic]

TURCHIN NASCEU EM 1957 em Obninsk, Rússia, uma cidade construída pelos soviéticos como uma espécie de paraíso nerd, onde cientistas poderiam colaborar e conviver entre si. Seu pai, Valentin, era físico e dissidente político; sua mãe, Tatiana, tinha formação em geologia. Eles se mudaram para Moscou quando ele tinha sete anos e vieram para Nova York em 1978 como refugiados políticos. Logo encontraram uma comunidade que falava sua língua materna, a da ciência. Valentin deu aulas na City University of New York e Peter estudou biologia na NYU e tem um doutorado em zoologia pela Duke University.

Turchin escreveu uma dissertação sobre o caruncho-do-feijão-mexicano, um bichinho parecido com joaninhas que é uma praga em legumes cultivados entre os EUA e a Guatemala. Quando Turchin começou suas pesquisas, no início dos anos 1980, a ecologia estava passando pela mesma transição de outras disciplinas. Tradicionalmente, o estudo de insetos consistia em coletá-los e descrevê-los: contar suas pernas, medir seus corpos e fixá-los em painéis de madeira para referência futura. Se você for ao Museu de História Natural de Londres, poderá ver nas salas de armazenamento prateleiras e prateleiras de jarros e caixas cheias de espécimes.

Nos anos 1970, o físico australiano Robert May voltou sua atenção para a ecologia e ajudou-a a se tornar uma ciência matemática, cujas ferramentas incluem supercomputadores e não só redes de borboletas e armadilhas de insetos. Entretanto, contou-me Turchin, quando ele começou sua carreira “a maioria dos ecologistas era bastante matematicofóbica.”

Turchin realmente fez pesquisa de campo, mas contribuiu principalmente com a coleta e o uso de dados para modelar a dinâmica das populações — para determinar, por exemplo, por que uma população de besouro-do-pinho pode dominar uma floresta ou por que essa mesma população entra em declínio. Ele também fez trabalhos sobre mariposas, ratinhos e lemmings.

No fim dos anos 1990, veio o desastre: Turchin percebeu que já sabia tudo o que queria aprender sobre besouros. Ele se compara a Thomasina Coverly, menina-prodígio na peça teatral Arcadia, de Tom Stoppard. Ela estava obcecada com os ciclos de vida das perdizes e outras criaturas no entorno de sua fazenda em Derbyshire. A personagem de Stoppard tinha a desvantagem de viver um século e meio antes do desenvolvimento da teoria do caos. “Ela desistiu porque tudo era muito complicado”, disse Turchin. “Eu desisti porque resolvi o problema.”

Turchin, então, publicou uma monografia final, Complex Population Dynamics: A Theoretical/Empirical Synthesis (2003), e em seguida anunciou aos seus colegas de Connecticut de que estava se despedindo permanentemente de sua área. Ele continua recebendo salário como professor efetivo em seu departamento, mas não recebe mais aumentos. Ele me disse que já está “em um nível confortável e que você não precisa de tanto dinheiro assim.”. Para ele, “uma crise de meia-idade normalmente significa se separar da esposa e casar com uma jovem estudante. Eu me divorciei de uma ciência velha e casei com uma nova.”

Um de seus últimos papers apareceu na revista Oikos, em que Turchin perguntava: “A ecologia da população tem leis gerais?” A maioria dos ecologistas diz que não: as populações têm dinâmicas próprias e cada situação é distinta. Os besouros-de-pinhos se reproduzem, se descontrolam e devastam um bosque por motivos besourescos, mas isso não significa que as populações de mosquitos ou pulgas sobem e descem no mesmo ritmo. Turchin sugere que “existem várias proposições com característica de lei” que podem ser aplicadas à ecologia. Depois de sua longa adolescência coletando e catalogando, a ecologia tem dados suficientes para descrever tais leis universais — e parar de fingir que cada espécie tem suas próprias idiossincrasias. “Os ecologistas conhecem estas leis e devem chamá-las de leis”, disse ele.

Turchin propôs, por exemplo, que as populações de organismos crescem ou decrescem exponencial e não linearmente. Assim, se você compra dois porquinhos-da-índia, logo terá não só mais alguns mas uma casa — e logo uma vizinhança — cheia dessas criaturinhas (contanto que você possa alimentá-las). Tal lei é simples o bastante para ser compreendida por um aluno de matemática no ensino médio e descreve o destino de tudo, de carrapatos a pardais e camelos. As leis que Turchin aplicou à ecologia — e sua insistência em chamá-las de leis — renderam uma respeitável polêmica naquela época. Hoje, são citadas em materiais didáticos.

Ao sair da ecologia, Turchin começou a pesquisar no sentido de formular leis gerais para outra espécie de animal: os seres humanos. Há muito ele tem interesse em História, como hobby. Mas ele também tem um instinto de predador, capaz de varrer a savana do conhecimento humano e saltar sobre a presa mais fácil. “Todas as ciências passam pela transição que é a matematização”, afirmou Turchin. “Quando tive minha crise de meia-idade, procurava uma área onde eu poderia ajudar essa transição para uma ciência matematizada. Só restava uma, a História.”

Os historiadores leem cartas, livros e outros textos. De vez em quando, se têm inclinações arqueológicas, escavam estábulos e encontram moedas. Mas, para Turchin, se apoiar apenas nestes métodos é o equivalente a estudar insetos contando suas antenas e prendendo-os às placas de madeira. Se os historiadores não fariam a revolução matemática, ele se meteria em seus departamentos para fazer isso por eles.

“Existe um longo debate entre cientistas e filósofos quanto à existência de leis universais na história”, escreveu Turchin com um colaborador em Secular Cycles (2009). “Uma premissa básica de nosso estudo é que as sociedades históricas podem ser estudadas com os mesmos métodos que físicos e biólogos usam para estudar sistemas naturais.”

Turchin é o fundador de uma revista — Cliodynamics — dedicada à “pesquisa de princípios gerais que expliquem o funcionamento e a dinâmica das sociedades históricas”. O nome foi criado por ele e deriva de Clio, musa grega da história. Ele já havia anunciado a chegada da disciplina em um artigo na Nature, onde comparou os historiadores que relutam em construir princípios gerais aos seus colegas da biologia “que se importam mais com a vida privada dos rouxinóis.” “Querem que a história continue concentrada no particular”, argumentou. A Cliodinâmica seria uma nova ciência e, enquanto os historiadores tiram o pó de jarros no porão da universidade, Turchin e seus discípulos estariam no andar de cima, resolvendo as grandes questões.

Para alimentar a pesquisa da revista, Turchin planejou um arquivo digital com dados históricos e arqueológicos. A codificação desses registros, explica, exige refinamento pois (por exemplo) o método para determinar o tamanho da classe aspirante a elite na França medieval pode ser diferente da medição da mesma classe nos EUA de hoje. Para a França medieval, um indicador seria a participação na nobreza, que ficou inchada por segundos ou terceiros filhos que não tinham castelos nem mansões sobre seus domínios. No caso americano, poderia ser o número de advogados. Mas assim que os dados são inseridos, depois de verificados por Turchin e especialistas no período histórico em questão, eles são capazes de oferecer sugestões rápidas e poderosas sobre os fenômenos históricos.

Historiadores da religião há muito consideram a relação entre a emergência da civilização complexa e a crença em deuses — especialmente os “deuses moralizantes”, que te condenam por pecar. No ano passado, Turchin e uma dezena de co-autores mineraram seu banco de dados para responder a questão de maneira conclusiva, com “registros de 414 sociedades que cobrem os últimos 10 mil anos em 30 regiões do mundo, usando 51 índices de complexidade social e 4 índices de regulação sobrenatural da moralidade”. Eles descobriam que as sociedades complexas têm mais chances de apresentar deuses moralizantes, mas que esses deuses se tornam moralizantes depois que as sociedades se tornam complexas, não antes. Com a expansão do banco de dados, o grupo pretende remover cada vez mais questões do reino da especulação humanística e colocá-las numa gaveta intitulada Casos Solucionados.

Uma das conclusões mais desagradáveis de Turchin é que as sociedades complexas surgem por meio da guerra. A guerra tem o efeito de recompensar as comunidades que se organizam para lutar e sobreviver e tende a eliminar as que são mais simples e de menor escala. “Ninguém quer aceitar que vivemos em sociedades como as nossas” — ricas, complexas, com universidades, museus, filosofia e artes — “por causa de algo tão feio quanto a guerra”, disse ele.

Darwinianos, os processos selecionam sociedades complexas pela eliminação das mais simples. O ideal de que a democracia deriva sua força de seu bem essencial, de seu avanço moral em relação aos sistemas rivais é praticamente uma fantasia. Em vez disso, sociedades democráticas prosperam porque têm a lembrança de quase terem sido aniquiladas por um inimigo externo. Elas evitaram a extinção apenas pela ação coletiva e a memória dessa ação coletiva facilita a política democrática, explica Turchin. “Existe uma correlação próxima entre adotar instituições democráticas e ter que lutar numa guerra por sobrevivência.”

Outra conclusão desagradável: que a turbulência civil está prestes a chegar e pode alcançar o ponto de rachar o país. Em 2012, Turchin publicou uma análise da violência política nos Estados Unidos, também baseada num banco de dados. Ele classificou 1590 incidentes — revoltas, linchamentos ou qualquer evento político com pelo menos um morto — entre 1780 e 2010. Alguns períodos foram plácidos; outros, sangrentos. Houve picos de brutalidade em 1870, 1920 e 1970, num ciclo de 50 anos. Turchin exclui o incidente mais violento de todos, a Guerra Civil, como um “evento sui generis”. A exclusão pode parecer suspeita mas qualquer estatístico sabe que “cortar extremos” é prática corriqueira. Historiadores e jornalistas, ao contrário, tendem a se concentrar justamente na exceção — por despertar interesse — e assim muitas vezes perdem as tendências mais amplas.

Certos aspectos dessa visão cíclica exigem reaprender partes da história americana, especialmente quanto ao número de elites. A partir de meados do século XIX, lembra Turchin, a industrialização do Norte deixou muita gente rica. O rebanho da elite foi capado durante a Guerra Civil, que matou ou empobreceu a classe escravocrata sulista, e a Reconstrução, quando os EUA passaram por uma onda de assassinatos de políticos republicanos — o mais famoso desses assassinatos foi o de James A. Garfield, 20º. presidente, por um advogado que exigia uma nomeação política que havia sido recusada. Foi somente com as reformas progressistas dos anos 1920 e, mais tarde, com o New Deal, que a superprodução de elites perdeu força, ao menos por algum tempo.

Esta oscilação entre violência e paz, com a saturação da elite como o primeiro cavaleiro do apocalipse americano recorrente inspirou a previsão de Turchin para 2020. Em 2010, quando a Nature consultou cientistas para saber suas previsões para a década vindoura, a maioria aproveitou a oportunidade para se autopromover e louvar os próximos avanços de suas áreas. Turchin reagiu com sua profecia de catástrofe e disse que nada menos que uma mudança fundamental seria necessária para impedir outra virada violenta.

As recomendações de Turchin são, como um todo, vagas e fogem à classificação. Algumas parecem ideias vindas da Senadora Elizabeth Warren — taxar as elites até reduzi-las — enquanto outras, como reduzir a imigração para elevar os salários dos trabalhadores americanos, lembram o protecionismo Trumpista. Outras propostas soam como pura heresia. Ele se opõe ao ensino superior credencial, que considera ser uma maneira de produzir elites em massa sem massificar os postos que podem ser ocupados por essa elite. Os arquitetos de tais políticas, disse Turchin, “estão criando elites excedentes e algumas tornam-se contra-elites.” Uma abordagem mais inteligente seria manter o número de elites limitado e os salários da população em geral num aumento constante.

Como fazer isso? Turchin afirma que realmente não sabe e que nem é seu trabalho saber isso. “Eu realmente não penso em termos de políticas específicas”, explicou. “Nós precisamos deter o processo de superprodução descontrolada de elite, mas não sei o que vai funcionar para isso, ninguém sabe. Será que é aumentar impostos? Elevar o salário mínimo? Renda básica universal?”. Ele reconhece que cada uma dessas possibilidades teria efeitos imprevisíveis. Por isso, me contou uma história que ouviu quando ainda era ecologista: o Serviço Florestal havia implementado um plano para reduzir a população de besouros Scolytidae com pesticidas — só que descobriram que o pesticida matava os predadores dos besouros com mais eficácia do que a praga. O resultado dessa intervenção foi mais besouros do que antes. Foi uma aula sobre a prática de “gerenciamento adaptativo”, isto é, de modular sua abordagem conforme as coisas se desenrolam.

Turchin espera que, futuramente, nosso entendimento das dinâmicas históricas será madura a ponto de nenhum governo se preocupar em promover um desastre matematicamente predeterminado. Ele consegue imaginar uma agência asimoviana que fica de olho nos indicadores e dá conselhos de acordo com tais dados. Seria como o Banco Central, mas em vez de monitorar a inflação e controlar a circulação monetária, estaria encarregada de evitar um colapso civilizacional completo.

O S HISTORIADORES, como um todo, não têm aceitado os termos de rendição de Turchin. Desde meados do século XIX, pelo menos, a disciplina abraça a ideia de que a história é irredutivelmente complexa e hoje a maioria dos historiadores acredita que a diversidade de atividades humanas será um obstáculo a qualquer tentativa de descrição por leis gerais, ainda menos leis preditivas. Nas palavras de Jo Guldi, historiadora na Southern Methodist University, “alguns historiadores veem Turchin do mesmo modo que os astrônomos veem Nostradamus”. Em vez disso, cada evento histórico deve ser descrito cautelosamente e suas idiossincrasias devem ser compreendidas como limitadas em relação a outros eventos. A ideia de que uma coisa leva a outra e que esse padrão causal pode te informar sobre uma sequência de eventos em outro lugar ou época é vista como algo além das fronteiras da história.

Alguém poderia até dizer que o que define a história como uma atividade humanística é a crença de que ela não se governa por leis científicas — que as peças funcionais das sociedades humanas não são como bolas de bilhar que, ao ser organizadas com certos ângulos e impulsionadas com determinada força vão se chocar e rolar invariavelmente no sentido de uma caçapa de guerra ou uma caçapa de paz.

Turchin rebate dizendo que já ouviu alegações de complexidade irredutível e que a aplicação firme do método científico tem sucesso ao lidar com tal complexidade. Pense, diz ele, no conceito de temperatura — algo tão obviamente mensurável agora que rimos da ideia de ser uma grandeza muito vaga. “Antigamente, quando as pessoas não sabiam o que é a temperatura, o melhor a dizer era se você está frio ou quente”, compara. Esse conceito depende de vários fatores: vento, umidade, as diferenças comuns na percepção humana. Só que agora temos termômetros. E Turchin deseja inventar um termômetro para as sociedades humanas, para medir o quão perto elas estão de ferver em guerra.

Um cientista social que pode falar com Turchin em seus próprios termos matemáticos é Dingxin Zhao, professor de sociologia na Universidade de Chicago que — incrivelmente — também é um ex-ecologista matemático. Ele fez uma tese de doutorado sobre o modelo da dinâmica populacional dos gorgulhos da cenoura antes de um segundo doutorado em sociologia política chinesa. “Venho de uma formação em ciências naturais e, de certa forma, tenho simpatia por Turchin”, confessou Zhao. “Quem passa das ciências naturais para as sociais tem uma maneira poderosa de olhar para o mundo. Mas também pode cometer grandes erros.”

Zhao afirma que os seres humanos são muito mais complicados que os insetos. “As espécies biológicas não fazem estratégia de maneira muito flexível”, disse. Depois de milênios de pesquisa e desenvolvimento evolucionário, um pica-pau pode encontrar uma maneira engenhosa de abrir um tronco em busca de comida. Isso pode até ter características sociais — um pica-pau alfa pode fortalecer seus subordinados dando-lhe amostras dos primeiros cupins que arranja. Mas os humanos são criaturas sociais muito mais conscientes. Um pica-pau come seu cupim mas “não vai se justificar dizendo que faz isso porque é seu direito divino”. Para Zhao, os humanos puxam cartas ideológicas como essa o tempo todo e para entender “as decisões de um Donald Trump ou um Xi Jinping” um cientista natural tem que incluir uma miríade complicações da estratégia humana, como emoções e crenças. “Eu passei por essa adaptação”, explica Zhao. “E Peter Turchin não.”

Entretanto, Turchin continua a ocupar um nicho esvaziado por acadêmicos que têm alergia não só à ciência mas a uma visão abrangente do passado. Ele se coloca na tradição russa de pensamento expansivo, Tolstoiano sobre o percurso da história. Os americanos, por comparação, parecem quase todos micro-historiadores. Poucos ousariam escrever uma história universal dos Estados Unidos ou, ainda menos, da civilização humana.

A abordagem de Turchin também é russa ou pós-soviética por sua rejeição da teoria marxista, do progresso histórico, que era a ideologia oficial do Estado soviético. Quando a URSS entrou em colapso, perdeu-se a exigência de que a historiografia reconhecesse o comunismo como a condição para a qual o arco da história se encaminha. Turchin diz ter abandonado qualquer ideologia. Em vez de se curvar ao progresso, diz, o arco da história volta-se contra si mesmo, num interminável ciclo de expansão e colapso. Isso o coloca em colisão com os historiadores americanos, que mantêm uma fé silenciosa na democracia liberal como o estágio final de toda a história.

Escrever a história dessa maneira abrangente e cíclica é mais fácil se você for treinado fora da área. “Se você reparar em que faz essas mega-histórias, mais do que tudo, percebe que não são historiadores de verdade”, disse Walter Scheidel, historiador de verdade em Stanford. Scheidel, cujos livros cobrem milênios, leva a sério o trabalho de Turchin e até foi co-autor de um paper com ele. Em vez das humanas, eles vêm de campos científicos onde esses tabus não têm força.

O livro mais célebre do gênero, Armas, Germes e Aço (1997) reúne 13 mil anos de história humana em um volume único. Seu autor, Jared Diamond, passou metade de sua carreira como um dos maiores especialistas do mundo na fisiologia da vesícula. Steven Pinker, psicólogo cognitivo que estudou como as crianças adquirem a fala, escreveu uma mega-história sobre o declínio da violência no decorrer de milhares de anos e sobre a prosperidade humana desde o Iluminismo. Quando falei com historiadores sobre esses homens — e por algum motivo parece que a mega-história tende a ser uma atividade masculina — a maioria usou termos como “piada” e “evidentemente tendencioso” para descrevê-los.

Pinker rebate a ideia de que os historiadores estão ressentidos com a atenção que “oportunistas disciplinares” como ele tem recebido por aplicar métodos científicos às humanidades e chegar a conclusões que escapavam às velhas metodologias. Ele é cético quanto às noções de ciclos históricos de Turchin, mas concorda com a pesquisa histórica baseada em dados. “Dado o ruído do comportamento humano e a prevalência de vieses cognitivos, é fácil que alguém se iluda a respeito de um período ou tendência histórica ao selecionar qualquer coisa que se encaixe na sua narrativa”, diz Pinker.

Para ele, a única resposta é usar grandes bancos de dados. O neurocientista agradece os historiadores tradicionais pelo trabalho de coletar esses bancos de dados. Ele me disse, por e-mail, que eles “merecem extraordinária admiração por sua pesquisa original (‘esfregando cocô de rato de relatórios mofados nos porões das prefeituras’, conforme as palavras de um historiador).” Ele prefere não uma rendição, mas um cessar-fogo: “Não há nada que impeça a história tradicional e a ciência de dados de convergir para um empreendimento cooperativo”, escreveu Pinker. “Conhecer as coisas é complicado e precisamos de todas as ferramentas disponíveis.”

Guldi, professora na Souther Methodist University, é outro acadêmica que abraçou as ferramentas que costumam ser rejeitadas pelos historiadores. Ela é uma pioneira da história baseada em dados e considera escalas temporais além de uma vida humana. Sua principal técnica é a mineração de textos — varrendo, por exemplo, os milhões e milhões de palavras registradas em debates parlamentares para entender a história do uso da terra no último século do Império Britânico. Guldi pode parecer uma potencial recruta para a cliodinâmica, mas o tratamento que dá aos bancos de dados é mais próximo dos métodos tradicionais das ciências humanas. Ela conta a frequência de palavras em vez de tentar encontrar comparações entre categorias amplas e difusas de diferentes civilizações.

Para ela, as conclusões de Turchin são tão boas quanto sua base de dados e qualquer base que tente codificar algo tão complexo quanto o que forma uma elite social — e ainda tenta fazer comparações paralelas através de milênios e oceanos — vai ser recebida com ceticismo pelos historiadores tradicionais, os quais negam ter devotado suas vidas a algo que poderia ser expresso por uma planilha de Excel. Os dados de Turchin também são limitados a características gerais observadas ao longo de 10000 anos ou cerca de 200 gerações. Para os padrões científicos uma amostra de 200 é pequena mesmo que contenha toda a humanidade.

Por outro lado, um período de 200 gerações pelo menos é mais ambicioso que o recorte histórico médio, de apenas uma. E a recompensa por tal ambição — além dos direitos de se gabar por potencialmente explicar tudo o que já aconteceu com os seres humanos — tem algo que todo escritor deseja: uma audiência. Pensar pequeno dificilmente te leva a ser citado pelo New York Times. Turchin ainda não atraiu as massas de um Diamond, um Pinker ou um Harari. Mas ele já chamou a atenção dos especialistas em desastre político, jornalistas e comentaristas em busca de grandes respostas para questões pesadas e os crentes no poder da ciência em dominar a incerteza e melhorar o mundo. Ele certamente é mais conhecido que qualquer especialista em besouros.

Se Turchin estiver certo, é difícil ver como a história conseguirá evitar a assimilação de suas ideias — se puder evitar ser abolida por elas. Alguns historiadores me disseram, em particular, que consideram seus métodos poderosos, ainda que sejam um pouco brutos. A cliodinâmica agora está numa longa lista de métodos que entram em cena com a promessa de revolucionar a pesquisa histórica. Muitos foram só moda, mas outros sobreviveram para assumir um papel necessário ao expandir a caixa de ferramentas historiográfica. Os métodos de Turchin já demonstraram seus poderes. Sua cliodinâmica oferece hipóteses científicas e a história humana nos dará cada vez mais oportunidades de verificar suas previsões — mostrando se Peter Turchin está mais para Hari Seldon do que um mero Nostradamus. Pessoalmente, existem poucos pensadores que eu gostaria tanto de ver refutados.

Graeme Wood é jornalista da redação da ‘The Atlantic’ e leciona Ciência Política na Universidade Yale. Teve trabalhos publicados na ‘New Republic’ e escreveu ‘The Way of the Strangers: Encounters With the Islamic State’. Esta reportagem foi publicada originalmente na edição de Dezembro de 2020 da Atlantic.

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Renato Pincelli

Bibliotecário, bibliófilo, jornalista, tradutor e divulgador científico que não tem twitter porque detesta limites de palavras. Não necessariamente nessa ordem.