As sombrias conclusões do maior estudo sobre ‘fake news’ já feito
“Enquanto a Falsidade voa, a Verdade vem mancando atrás dela” (Jonathan Swift)
Por Robinson Meyer, na Atlantic (8 de março de 2018).
Tradução de Renato Pincelli.
HÁ TRÊS SÉCULOS, isso poderia ser uma hipérbole, mas pode ser uma descrição factual das mídias sociais segundo um ambicioso e pioneiro estudo publicado na revista Science. Colossal, o novo estudo analisa cada ocorrência das principais notícias contestáveis em inglês durante toda a existência do Twitter — cerca de 126 mil matéria, tuítadas por 3 milhões de usuários ao longo de 10 anos — e conclui que a verdade simplesmente não pode competir com o hoax, o rumor. Por qualquer métrica, segundo o estudo, a falsidade predomina sobre a verdade no Twitter: fake news e falsos rumores alcançam mais gente, penetram mais fundo na rede social e se espalham mais rapidamente do que matérias acuradas.
“Parecer ser bastante claro [a partir do nosso estudo]”, diz Soroush Vosough, cientista de dados do MIT que estuda fake news desde 2013 e coordenou o estudo, “que a informação falsa ultrapassa a informação verdadeira. E isso não é apenas por causa dos robôs. Pode ter algo a ver com a natureza humana.”
A pesquisa já levantou alarme entre cientistas sociais. “Precisamos reprojetar nosso ecossistema de informação no século XXI”, escreveu um grupo de 16 cientistas políticos e acadêmicos de Direito num ensaio também publicado na Science. Eles clamam por uma nova iniciativa de pesquisa interdisciplinar “para reduzir a disseminação de notícias falsas e solucionar as patologias ocultas que foram reveladas.” Eles também se perguntam como podemos criar um ecossistema de notícias que valorize e promova a verdade.
Tal pesquisa sugere que não vai ser fácil fazer isso. Embora o foco de Vosoughi e seus colegas esteja apenas sobre o Twitter — o estudo foi feito usando dados disponibilizados ao MIT com exclusividade pela empresa — a pesquisa traz implicações para o Facebook, YouTube e todas as grandes redes sociais. Qualquer plataforma que costume amplificar conteúdo engajador ou provocativo também corre o risco de amplificar fake news.
Embora esteja escrito na linguagem clínica das estatísticas, o estudo oferece uma denúncia metódica sobre a exatidão das informações que se espalham por essas plataformas. Uma matéria falsa, descobriram os autores, tem muito mais chances de viralizar do que uma verdadeira. Em média, a falsa alcança até 1500 pessoas num ritmo seis vezes mais rápido do que a verdadeira. Embora as falsidades se deem bem em todos os assuntos — incluindo economia, terrorismo e guerra, ciência e tecnologia, entretenimento — são as fake news sobre política que costumam ter melhor desempenho.
É quase como se os usuários do Twitter prefiram compartilhar falsidades. Mesmo quando os pesquisadores levaram em conta todas as diferenças entre as contas que originam os rumores — como se aquela pessoa tem mais seguidores ou tem um perfil verificado — , as falsidades ainda tinham 70% mais chances de ser retuítadas do que as notícias acuradas.
E a culpa disso não pode ser jogada em nossos irmãos robóticos. Entre 2006 e 2016, os bots do Twitter amplificaram tanto as histórias verdadeiras quanto as falsas, conforme o estudo. Como notam seus autores, as fake news prosperam “porque são os humanos, não os robôs, que têm mais inclinação a disseminá-las.”
Cientistas políticos e pesquisadores de mídia social elogiaram bastante a pesquisa, considerando-a o mais amplo e rigoroso exame já feito sobre a escala do problema nas redes sociais — ainda que alguns questionem suas descobertas sobre os bots ou discordem de sua definição do que é notícia.
“Este é um estudo realmente interessante e impressionante”, considera Rasmus Klein Nielsen, professor de Comunicação Política na Universidade de Oxford. “Seus resultados mostram como afirmações demonstravelmente inverídicas espalham-se mais depressa e por uma maior área do que as demonstravelmente verídicas. Dentro da amostra, isso parece bastante robusto, consistente e bem apoiado.”
Para Brendan Nyhan, professor de Administração Pública no Darthmouth College, é “um trabalho muito cuidadoso e importante, uma excelente pesquisa, do tipo que precisamos fazer mais.” Rebekah Tromble, professora de Ciências Políticas na Universidade Leiden, Holanda, acredita que não há quaisquer motivos para duvidar dos resultados da pesquisa.
Mas o que diferencia esse estudo? Pesquisadores já se debruçaram sobre o problema da disseminação de falsidades on-line. Geralmente, eles focam em rumores sobre eventos singulares, como as especulações que antecederam a descoberta do Bóson de Higgs em 2012 ou as desinformações que se seguiram ao terremoto no Haiti em 2010.
Porém, esse paper alcança uma escala ainda maior, por observar quase toda a vida útil do Twitter: cada peça de notícia controvertida que se propagou no serviço entre setembro de 2006 e dezembro de 2016 foi incluída na amostragem. Para fazer isso, Vosoughi e seus colaboradores tiveram que começar respondendo uma questão mais imediata: O que é verdade e como nós sabemos que é verdade?
ESSA PERGUNTA pode fazer a diferença entre a vida e a morte. “As fake news tornaram-se um tópico quente na política e na cultura,” — explica Deb Roy, especialista em mídia do MIT e um dos co-autores da pesquisa — “mas, para nós, o incentivo veio dos eventos pessoais que aconteceram em Boston há cinco anos.”
Em 15 de abril de 2013, duas bombas explodiram junto ao trajeto da Maratona de Boston, matando três pessoas e ferindo centenas. Quase instantaneamente, teorias da conspiração sobre esse ataque a bomba começaram a pipocar no Twitter e em outras plataformas de mídia social. A bagunça informativa foi intensificada em 19 de abril, quando o governador de Massachusetts pediu que milhões de pessoas permanecessem em suas casas enquanto a polícia conduzia uma grande caçada aos suspeitos.
“No toque de recolher, eu fiquei com minha esposa e meus filhos em nossa casa, em Belmont, por dois dias. Soroush ficou preso em Cambridge”, contou Roy. Sem poder sair, o Twitter virou o cordão umbilical deles. Ao usar o serviço, ele relata que “ouvimos falar de muita coisa que não eram verdade e ouvimos muitas coisas que se tornaram verdade”.
O sufoco não demorou a acabar, mas quando os dois [Soroush e Vosoughi] se reencontraram no campus, concordaram que seria besteira se Vosoughi — então doutorando em mídias sociais — viesse a pesquisar qualquer coisa que não fosse o que eles haviam acabado de experimentar. Como orientador, Roy deu sinal verde para o projeto.
Soroush fez uma máquina da verdade: um algoritmo que poderia filtrar torrentes de tuítes e extrair deles os fatos com mais possibilidade de serem acurados. Foram levadas em conta três características de cada tuíte: as propriedades de seu autor (ele é verificado ou não?), o tipo de linguagem usada (sofisticada ou simples?) e o modo como determinado tuíte se espalhou pela rede. “O modelo desenvolvido por Soroush foi capaz de prever a exatidão [das notícias] com um desempenho muito acima do que seria aleatório”, ressalta Roy, que se doutorou em 2015.
Depois disso, os dois — em colaboração com Sinan Aral, professor de Gerenciamento no MIT — passaram a examinar como as falsidades circulam pelo Twitter como um todo. Aí, eles tiveram não apenas que retomar a pergunta “o que é verdade?”, mas enfrentar sua irmã mais pertinente: como o computador sabe o que é verdade?
Eles escolheram recorrer aos árbitros do factual on-line: os sites de checagem de fatos. Ao coletar e analisar seis sites de checagem distintos — incluindo Snopes, Politifact e FactCheck.org — eles geraram uma lista com dezenas de milhares de rumores on-line que se espalharam pelo Twitter entre 2006 e 2016. Em seguida, fizeram buscas por esses rumores no Twitter, usando o Gnip, um motor de busca específico, de propriedade daquela rede social.
Por fim, eles encontraram cerca de 126 mil tuítes que, juntos, haviam sido retuítados mais de 4,6 milhões de vezes. Alguns tinham links para material fajuto hospedado em outros sites. Outros eram a fonte original dos rumores, seja na forma de texto ou seja através de uma imagem anexa (a equipe também usou um programa especial, que podia buscar palavras contidas no interior das imagens estáticas de um tuíte). E havia alguns tuítes que continham informações verdadeiras ou links para isso.
Os cientistas executaram uma série de análises, comparando a popularidade dos rumores com a popularidade das notícias fidedignas. O que descobriram os deixou de queixo caído. No MIT, Vosoughi me explicou que existem muitas maneiras de um tuíte ter 10 mil retuítes. Se uma celebridade com alguns milhões de seguidores envia o Tuíte A, por exemplo, talvez umas 10 mil pessoas vejam o Tuíte A em sua linha do tempo e decidem retuitá-lo. Assim, o Tuíte A foi retransmitido num padrão grande porém raso.
Ao mesmo tempo, alguém com poucos seguidores manda o Tuíte B, que é visto por seus 20 e poucos seguidores. Mas uma dessas pessoas vê esse tuíte, retuíta e essa pessoa é retuítada por um de seus seguidores — e assim por diante, até que milhares de pessoas vejam e compartilhem o Tuíte B.
Tanto o A quanto o B têm uma audiência do mesmo tamanho, mas o Tuíte B tem o que Vosoughi chama de “profundidade”. O B criou uma cadeia de retuítes, viralizando de uma maneira que nunca aconteceu com o A. “Ele pode alcançar mil retuítes, mas teria uma forma bastante diferente”, disse Vosoughi.
[N. do T.: essa distinção entre transmissão rasa e profunda de tuítes se assemelha ao que o Facebook chama de compartilhamento orgânico e impulsionado. Enquanto o impulsionado alcança um público maior mediante pagamento para aparecer mais, o conteúdo orgânico dissemina-se por uma multiplicação natural de compartilhamentos encadeados]
Foi aí que surgiu a surpresa: as notícias falsas predominam em ambas as métricas. Elas alcançam uma audiência maior com consistência e, ao mesmo tempo, se infiltram mais fundo nas redes sociais do que as notícias reais. Os autores descobriram que as notícias verdadeiras não conseguem encadear mais de 10 retuítes. Já as fakes podem enfileirar uma cadeia com até 19 links — e fazem isso 10 vezes mais rápido do que o tempo que leva pra uma notícia real acumular seus meros 10 retuítes.
Esses resultados se confirmaram mesmo quando foram checados por humanos, não por algoritmos. Paralelamente à pesquisa, um grupo de estudantes de graduação fez a checagem de fatos de aproximadamente 13 mil tuítes em inglês publicados no mesmo período analisado. Eles descobriram que a informação falsa supera em desempenho a informação verdadeira de modo quase idêntico ao conjunto principal da análise.
Qual é a aparência disso no mundo real? Podemos dar dois exemplos da última eleição presidencial [dos EUA]. Em agosto de 2015, circulou nas mídias sociais um rumor de que Donald Trump havia permitido que uma criança doente usasse seu avião para conseguir cuidados médicos urgentes. O Snopes confirmou quase todos os elementos da história como verdadeiros. Mas, segundo estimativas dos pesquisadores, apenas umas 1300 pessoas compartilharam ou retuítaram a matéria.
Em fevereiro de 2016, houve outro rumor: um primo mais velho de Trump teria morrido recentemente e teria expressado sua oposição à candidatura presidencial do magnata em seu obituário. “Como orgulhoso portador do nome Trump,” dizia a suposta mensagem final, “eu lhes imploro a todos: por favor, não deixem que esse saco de muco ambulante torne-se o presidente.” Entretanto, o Snopes não encontrou evidências nem desse primo nem de seu obituário, rejeitando a história como falsa. Ainda assim, cerca de 38 mil tuiteiros compartilharam a notícia — e ela gerou uma cadeia de retuítes três vezes mais longa que a cadeia da história da criança doente. Uma outra falsidade, segundo a qual o boxeador Floyd Mayweather havia usado um turbante muçulmano durante um comício de Trump, também alcançou uma audiência 10 vezes superior à da matéria sobre o menino doente.
Por que essas falsificações se saem tão bem? Os pesquisadores do MIT chegaram a duas hipóteses. Primeiro, as notícias fake parecem ser mais novidade do que as notícias de verdade. Os cientistas notaram que as falsidades geralmente são bastante distintas de todos os tuítes que apareceram na timeline de um usuário durante os 60 dias anteriores à sua disseminação. Em segundo lugar, uma fake news estimula mais emoções que o tuíte médio. Os pesquisadores criaram um banco de dados com palavras usadas pelos usuários do Twitter ao reagir aos 126 mil tuítes contestáveis. Depois, isso foi analisado com uma ferramenta de análise de sentimentos de última geração. A conclusão é que as notícias forjadas tendem a estimular o uso de palavras associadas com a surpresa e o nojo, enquanto as notícias bem-apuradas invocam termos associados à tristeza e à credibilidade.
A EQUIPE ainda precisava responder uma pergunta: os robôs do Twitter estavam ajudando a espalhar a desinformação? Depois de usar dois algoritmos de detecção de bots diferentes em sua amostra de 3 milhões de usuários do Twitter, eles descobriram que as contas automatizadas estavam espalhando notícias falsas — mas também estavam retuitando, na mesma velocidade, informações acuradas.
Aral diz que “as massivas diferenças em como as informações falsas e verdadeiras se espalham pelo Twitter não podem ser explicadas pela presença de bots”. No entanto, alguns cientistas políticos alertam que essa descoberta não deveria ser usada para menosprezar o papel dos bots russos na disseminação recente de desinformações. Como reporta o The New York Times, um “exército” de bots com associações russas ajudou a amplificar a retórica polarizada após o tiroteio na escola de Parkland, na Flórida.
Para Dave Karpf, cientista político na George Washington University, pode haver dois cenários que se sobrepõem: “(1) na amostra de 10 anos como um todo, os bots não favorecem a propaganda de falsidades e (2) num subconjunto recente de casos, os bots têm sido empregados estrategicamente para aumentar o alcance de peças de propaganda falsa.”
Ele acredita que a pesquisa venha a ser usada como “prova científica de que os bots não importam”. O paper realmente mostra isso, mas só se olharmos para toda a vida útil do Twitter. “Mas o verdadeiro debate sobre bots parte do princípio de que seu uso explodiu recentemente porque alguns agentes estratégicos investiram seus recursos nesse uso. E esse artigo não refuta essa suposição.”
Vosoughi concorda que seu paper não determina se houve ou não mudança no uso de botnets na época da eleição de 2016. “Nós não estudamos a mudança no papel de bots ao longo do tempo”, esclareceu ele num e-mail. “Essa é uma questão interessante, que provavelmente vamos explorar num trabalho futuro.”
Entre os cientistas políticos, também foram levantadas questões sobre a definição de “notícia” do estudo. Ao se basear nos sites de checagem de fatos, o estudo embaça um grande espectro de informações falsas: mentiras deslavadas, lendas urbanas, pegadinhas, enganos, falsificações e fake news. Não se observam as notícias falsas per se — isto é, artigos ou vídeos que parecem conteúdo noticioso e que aparentam ter passado por um processo jornalístico de apuração, mas que na verdade são inventados.
O estudo, portanto, pode ter subestimando as “notícias incontestadas”, aquelas que são amplamente reconhecidas como verdadeiras. Durante muitos anos, a publicação mais retuítada da história do Twitter foi a celebração da reeleição de Obama como presidente. Mas como sua vitória nunca foi um fato contestável pra valer, o Snopes e outros portais de checagem nunca o confirmaram.
A pesquisa também omite a distinção entre conteúdo e notícia. “Todas as nossas pesquisas de audiência indicam que a vasta maioria dos usuários veem as notícias como claramente distintas do conteúdo em geral”, explica o prof. Nielsen, de Oxford. “Dizer que conteúdos inverídicos, inclusive rumores, se espalham mais depressa do que afirmações verdadeiras no Twitter é um pouco diferente de dizer que notícias falsas e notícias verdadeiras se espalham em velocidades distintas.”
Muitos pesquisadores também me disseram que simplesmente entender o porquê de os falsos rumores se espalham tanto e tão depressa é tão importante quanto saber que isso ocorre. “Na realidade, o principal achado é que o conteúdo que desperta emoções fortes chega mais longe, mais depressa, de modo mais profundo e amplo no Twitter”, explica Tromble, a cientista político, num e-mail. “Essa descoberta em particular é consistente com pesquisas em diversas áreas, incluindo Psicologia e Comunicação. Também é algo relativamente intuitivo.”
Para Nyhan, o professor de Darthmouth, a informação falsa que circula nas redes costuma ser mais chamativa e frequentemente negativa. “Nós sabemos que essas são duas características da informação que normalmente capta nossa atenção como seres humanos e nos leva a compartilhar essa informação com os demais — somos especialmente atentos a ameaças barulhentas e ainda mais às ameaças negativas.” Ainda segundo Nyhan, é fácil demais criar essas duas coisas quando você não se compromete com os limites da realidade. Assim, as pessoas podem explorar essa interseção entre psicologia humana e o design das redes sociais de maneiras poderosas.
O professor de Darthmouth elogiou o Twitter pela iniciativa de disponibilizar seus dados aos pesquisadores e considera que outras grandes plataformas, como o Facebook, deveriam fazer o mesmo: “Em termos de pesquisa, a bola está nas mãos das plataformas. Nós podemos aprender muita coisa, mas somos constrangidos no que podemos estudar quando não há parceria e colaboração com as plataformas.”
Nyhan também destaca o grande poder e influência que essas empresas têm sobre as notícias e sobre a democracia. Para ele, o grau de poder que essas plataformas detêm atualmente significa que elas precisam enfrentar o escrutínio público e ser mais transparentes. Mas isso também não quer dizer que elas sejam onipotentes: “Nós podemos passar o dia inteiro estudando o Twitter, mas apenas uns 12% dos americanos estão nele. É algo importante para jornalistas e acadêmicos, mas não é o meio pelo qual a maioria das pessoas se informa.”
Num comunicado, o Twitter declarou que espera expandir sua colaboração com especialistas de fora da empresa. Numa série de tuítes na semana passada, Jack Dorsey, CEO da empresa, disse que o Twitter pretende “aumentar a saúde coletiva, a abertura e a civilidade da conversação pública e chamar para nós a responsabilidade pelo progresso.” O Facebook, entretanto, não respondeu a um pedido de comentário.
Mesmo assim, Tromble considera que as conclusões da pesquisa também poderiam ser aplicadas ao Facebook. No começo [daquele] ano, a rede social reestruturou seu news feed para favorecer “interações significativas”. Para Tromble, isso “deixou claro que eles iriam avaliar a ‘interação significativa’ baseado no número de comentários e réplicas a comentários que um post recebe. Mas, como esse estudo demonstra, isso incentiva ainda mais a criação de posts cheios de desinformação e outros conteúdos capazes de estimular intensas respostas emocionais.”
Um dos responsáveis pela pesquisa em questão, Aral é mais conservador com essa generalização e não se sente confortável em dizer que (ou como) suas descobertas se aplicam nas demais redes sociais. Ele destaca que seu grupo estudou apenas o Twitter. Apesar disso, ele entende a posição dos demais pesquisadores: “minha intuição é que essas descobertas podem ser aplicadas superficialmente às plataformas de mídia social em geral. Você poderia fazer esse mesmo estudo se tivesse trabalhado com dados do Facebook.”
***
MAS NADA DISSO engloba a descoberta mais deprimente dessa pesquisa. Quado começou a pesquisar, o time do MIT esperava que os usuários que espalham mais fake news seriam basicamente os que estão em busca de atenção para si mesmos. A suposição era de que eles encontrariam um grupo de pessoas que usam o Twitter de modo obsessivo, com fins polarizantes ou sensacionalistas, para acumular mais fãs e seguidores do que seus pares baseados em fatos.
O que os pesquisadores descobriram é que, na realidade, o oposto é verdadeiro. Os usuários que compartilham mais informação confiável têm mais seguidores e mandam mais tuítes do que os disseminadores de fake news. Esses usuários orientados pelo factual também estão há mais tempo no Twitter e, portanto, tendem a ter perfis verificados. Em suma, os usuários mais confiáveis podem acumular todas as vantagens óbvias que o Twitter, como empresa e como comunidade, pode dar aos seus usuários.
Em outras palavras, a verdade larga na frente mas, de algum modo, as desinformações acabam vencendo a corrida. “A falsidade difunde-se com mais rapidez e profundidade do que a verdade apesar dessas diferenças [entre as contas de usuários] e não por causa delas”, concluem os autores do estudo.
É uma descoberta que deveria desencorajar todo usuário que procura a mídia social para buscar ou distribuir informações acuradas. É como se não importasse com quanta exatidão as pessoas planejam usar o Twitter, não importa quão meticulosamente seja feita uma curadoria de feeds ou fontes confiáveis, elas ainda podem ser atropeladas por uma falsidade no calor do momento.
Isso sugere — pra mim, pelo menos, tuiteiro desde 2007 e alguém que começou no jornalismo por causa dessa rede social — que as plataformas de mídias sociais não encorajam o tipo de comportamento que serve de alicerce a um governo democrático. Nessas plataforma, onde o usuário é simultaneamente o leitor, o escritor e o editor, as falsificações são sedutoras demais para ser ignoradas. A excitação da invenção é fascinante demais e o titilar do desgosto é forte demais para ser superado. Depois de um dia longo e cansativo, mesmo o usuário mais correto pode se pegar torcendo por um rumor politicamente vantajoso. Em meio à ansiedade de uma temporada eleitoral, até o usuário mais esclarecido em relação ao bem público pode trair seus altos ideais para ganhar uma discussão.
Não está claro qual intervenção — se é que há alguma — seria capaz de reverter essa tendência à falsificação. “Não sabemos o bastante para dizer o que funciona e o que não funciona”, disse-me Aral. Há poucas evidências, por exemplo, de que uma pessoa muda de opinião depois de ver um site de checagem de fatos rejeitar uma de suas crenças. Sinalizar as fake news como tal, seja numa rede social ou num motor de buscas, também pode ser pouco para detê-las.
Em síntese, a mídia social parece amplificar sistematicamente a falsidade às custas da verdade e ninguém — nem os especialistas, nem os políticos e as empresas de tecnologia — sabe como corrigir essa tendência. Este é um momento perigoso para qualquer sistema de governo baseado na premissa de que há uma realidade pública em comum.
ROBINSON MEYER (@yatisrob) é repórter da revista ‘Atlantic’ desde 2013, cobrindo pautas ligadas às mudanças climáticas e à tecnologia. Este artigo sobre a pesquisa de Vosough et. al. sobre ao alcance de fake news no Twitter foi publicado originalmente naquela revista em 08/03/2018.