Como a tuberculose influenciou a moda vitoriana
Ao longo de décadas uma doença fatal — e os esforços para controlá-la — estiveram por trás de tendências para homens e mulheres
Por Emily Mullin, no Smithsonian.com. Tradução por Renato Pincelli.
CORTESÃ FRANCESA e celebridade parisiense, Marie Duplessis era uma notável beldade vitoriana. Em seu retrato mais conhecido, feito por Édouard Viénot, seus cabelos pretos e brilhantes adornam uma bela face ovalada com olhos brilhantes e uma pele de marfim. Mas a fama de Duplessis foi efêmera. Como Violetta — a protagonista da ópera La Traviata, de Verdi, que a tomou como inspiração —, Duplessis teve tuberculose e morreu em 1847, aos 23 anos.
Em meados do século XIX, a tuberculose (TB) alcançava níveis epidêmicos na Europa e nos Estados Unidos. Altamente infecciosa, a doença ataca os pulmões e também danifica outros órgãos. Antes do surgimento dos antibióticos, sua vítimas eram lentamente consumidas, tornando-se pálidas e magras antes de morrer do que era chamado [em inglês] de consumption. [N. do T.: em português os sinônimos de TB são tísica, consunção, peste branca e mal do peito, todos em desuso].
Essa marcha gradual rumo à morte causada pela doença e seus efeitos foi romantizada pelos vitorianos. Durante décadas, vários padrões de beleza imitavam ou ressaltavam esses efeitos. Enquanto os cientistas entendiam cada vez mais a tísica e sua disseminação, ela continuava a ditar a moda.
“Entre 1780 e 1850” — explica Carolyn Day — “houve uma estetitização cada vez maior da tuberculose, que se torna entrelaçada com beleza feminina.” Professora-assistente de História na Universidade Furman (Carolina do Sul), Day é autora do livro Consumptive Chic: A History of Fashion, Beauty and Disease [Consunção Chique: uma história de moda, beleza e doença], onde explora o impacto da tuberculose na moda e na percepção de beleza entre os britânicos do começo do século XIX.
Naquela época, pensava-se que a tísica seria causada por suscetibilidades hereditárias e miasmas, os “maus ares” do ambiente. Na alta sociedade, segundo Day, a atratividade era um dos indícios que as pessoas usavam para julgar quais mulheres tinham predisposição à TB. “Isso é porque a tuberculose melhora os traços que já estavam estabelecidos como padrões de beleza nas mulheres”, explica a historiadora. Esses traços, como a magreza e a pele pálida, eram resultado das perdas de apetite e de peso causadas pela enfermidade.
Uma confirmação dessa ideia aparece num livro de 1909, Tuberculosis: A Treatise by American Authors on Its Etiology, Pathology, Frequency, Semeiology, Diagnosis, Prognosis, Prevention, and Treatment [Tuberculose: um tratado de autores americanos sobre sua etiologia, patologia, frequência, sintomatologia, diagnóstico, prognóstico, prevenção e tratamento]. Segundo tal tratado, “um número considerável de pacientes têm, ou já tinham nos anos anteriores à doença, uma pele transparente e delicada além de cabelo fino e sedoso.” Outros sintomas comuns em tuberculosos eram olhos brilhantes ou dilatados, bochechas rosadas e lábios avermelhados — que agora sabemos serem causados por uma febre baixa constante.
“Na moda, também começamos a ver elementos que ou ressaltam os sintomas da doença ou imitam sua aparência física”, conta Day. O auge do que ela chama de tuberculose chique ocorreu em meados do século XIX, quando a tendência eram corsetes cônicos, com cintura afuniladas e saias volumosas que enfatizavam o quadril estreito das mulheres. Nas classes média e alta, as moças também tentavam emular a aparência tuberculosa com maquiagem para embranquecer a pele, avermelhar os lábios e rosar as bochechas.
Na segunda metade do século aconteceu uma transformação radical no entendimento da TB. Em 1882, Robert Koch anunciou ter descoberto e isolado a bactéria causadora da doença. Naquele momento, a teoria dos germes — a ideia de que organismos microscópicos em vez de miasmas estavam por trás das doenças — já estava ganhando terreno. A descoberta de Koch deu mais legitimidade à teoria dos germes e convenceu médicos e especialistas em saúde pública de que a tuberculose era contagiosa.
Prevenir esse contágio tornou-se a motivação para algumas das primeiras campanhas de saúde pública em larga escala nos EUA e na Europa — muitas alvejando a moda feminina. Os médicos passaram denunciar as longas saias arrastadas como culpadas pela tísica. Essas saias, diziam, eram responsáveis por tirar os germes da rua e levar a doença para dentro de casa.
Um exemplo é o cartum “A saia arrastada: a morte adora um rastro brilhante”, publicado na revista Puck em 1900 [acima]. A ilustração mostra uma empregada espanando nuvens de germes da saia da patroa enquanto uma criança angelical fica ali atrás. Entre as duas, um símbolo da morte: o esqueleto portador de uma foice.
Os espartilhos foram igualmente atacados, pois acreditava-se que eles exacerbavam a tuberculose ao limitar o movimento dos pulmões e a circulação sanguínea. “Espartilhos saudáveis”, feitos com fibras elásticas, foram apresentados como uma maneira de aliviar a pressão nas costelas causada pelos rígidos espartilhos das era vitoriana.
Tendências masculinas também entraram na mira. No período vitoriano as barbas eram luxuriantes, os bigodes, esculturais, e as suíças, extravagantes. Em parte, a tendência costuma ser atribuída aos soldados britânicos, que deixaram crescer os pelos faciais para se manter aquecidos durante a Guerra da Crimeia. Pelos faciais também ganharam popularidade nos EUA, onde as lâminas eram difíceis de usar e geralmente inseguras, especialmente quando faltava higiene. Mas na virada do século foram as barbas e bigodes que passaram a ser considerados perigosos.
“Não há maneira de calcular o número de bactérias e outros germes nocivos que podem se esconder nas selvas amazônicas de uma face bem peluda, mas seus números devem se contar entre as miríades”, escreveu Edwin F. Bowers, médico americano conhecido como pioneiro da reflexologia, numa matéria para a McClure Magazine em 1916. “Sarampo, febre escarlatina, difteria, tuberculose, coqueluche, gripes comuns e incomuns bem como uma multidão de outras doenças infecciosas podem ser, e sem dúvida são, transmitidas por meio dos pelos faciais.”
Quando Bower redigiu seu espirituoso artigo, os pelos faciais já haviam sumido da maioria dos rostos dos homens americanos — especialmente dos médicos e cirurgiões, que adotaram uma aparência barbeada para parecer mais higiênicos diante de seus pacientes.
O ideal vitoriano de parecer tuberculoso não sobreviveria no século XX, mas a consução teria efeitos duradouros na moda e suas tendências. Com o leve encurtamento dos vestidos por volta de 1900, os sapatos estilosos começaram a ser parte cada vez mais importante do look feminino. Foi mais ou menos na mesma época que os médicos passaram a prescrever banhos de sol como tratamento para a TB, o que deu origem ao moderno fenômeno do bronzeamento.
EMILY MULLIN é jornalista científica freelancer e mora nos arredores de Washington, D.C. Seus trabalhos já apareceram nas páginas de ‘The Washington Post’, ‘The Atlantic’, ‘Pacific Standard’ e ‘Mental Floss’. O presente artigo foi publicado originalmente no Smithsonian.com, site do Instituto Smithsonian, em 10/05/2016.