Como deixar de esquecer tão depressa o que você aprende

“Você pode estar olhando e escutando, mas pode não estar vendo e ouvindo”. (Ou porque maratonar conteúdos não faz bem para sua memória)

Renato Pincelli
9 min readDec 3, 2019

Por William Cho, no Student Voices. Tradução de Renato Pincelli.

FAZ DUAS HORAS que estou sentado num café, lendo inúmeros posts no Medium — e percebo que só posso me recordar de duas ou três das numerosas ideias e lições que aprendi. Qual o motivo de ler todos esses livros e artigos de blogs se você vai esquecer a maior parte deles em algumas horas?

Acontece que a memória é traiçoeira. Eu posso tentar ler tantos livros quanto possível, mas dificilmente posso te contar qual a ideia principal ou trama dos livros que já terminei. Muitos estudantes universitários também têm o mesmo problema. Eles passam um semestre inteiro debruçados sobre vários assuntos e investindo horas após horas em aprender o material — apenas para se pegarem esquecendo tudo poucas horas depois de suas avaliações finais.

O psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus descobriu a curva do esquecimento — um conceito que teoriza o declínio temporal da retenção de memórias. A curva do esquecimento é mais acentuada durante o primeiro dia. Assim, se você não rever o que acabou de aprender, provavelmente vai esquecer a maior parte do material e sua memória vai continuar declinando nos dias seguintes, acabando por te deixar com apenas um fiapo de informação.

Um artigo na Atlantic — “Por que esquecemos a maior parte dos livros que lemos” — mostra como o aumento da frequência de uso da internet afetou nossa memória de maneira negativa:

Presumivelmente, a memória sempre foi assim. Mas Jared Horvath, pesquisador da Universidade de Melbourne [Austrália], diz que o modo como as pessoas consumem informação e entretenimento hoje mudou o tipo de memória que valorizamos — e não é o tipo que te ajuda a reter a trama de um filme que você viu há seis meses.
Na era da internet, a memória evocativa [recall memory, de longo prazo] — a capacidade de evocar espontaneamente a informação — tornou-se menos necessária. Ainda serve para conversas de bar ou lembrar sua lista de compras. Mas Hovarth afirma que, na maioria dos casos, a memória de reconhecimento [recognition memory, de curto prazo] é mais importante. “Contanto que você saiba onde está aquela informação e como acessá-la”, diz ele, “você não precisa realmente decorá-la.”

Nós tratamos a internet como um HD externo para nossa memória. Sabemos que, se precisarmos de uma peça de informação, podemos abrir nosso laptop [ou nosso celular] e fazer uma busca imediatamente. Esse aprendizado instantâneo está cada vez mais popular porque é mais eficiente buscar a informação que você precisa de imediato do que armazenar uma informação que poderia ser útil no futuro. O conhecimento profundo já não é valorizado — pedaços de informação leves, ágeis e práticos são mais eficazes na realização de tarefas.

Como sabemos que temos uma memória externa, colocamos menos esforço na memorização e no pleno entendimento dos conceitos e ideias que aprendemos.

A pesquisa mostrou que a internet funciona como uma espécie de memória externalizada. “Quando as pessoas esperam ter acesso futuro à informação, elas têm menores taxas de evocação da informação em si”, como descreve um estudo. Mas antes mesmo da existência da internet, os produtos de entretenimento serviam como memórias externas para si mesmos. Você não precisa recordar uma citação de um livro se puder dar uma olhada. Assim que as fitas cassete surgiram, você podia facilmente revisar um filme ou um programa de TV. Não quer dizer que, se você não marcar a ferro e fogo uma amostra de cultura no seu cérebro, ela vai se perder para sempre.

Com o aumento da mídia facilmente acessível, também estamos mais inclinados a maratonar conteúdo. Você já ficou em casa num sábado à noite maratonando uma temporada inteira do seu programa preferido? Você seria capaz de recordar a narrativa de cada episódio? Pode se lembrar dos conflitos e suas resoluções?

Maratonar te encoraja a consumir conteúdos de modo negligente em vez de se engajar conscientemente em cada artigo de mídia. Somos encorajados a comer o máximo possível, mesmo que isso faça nossos cintos mentais estourarem de tanto consumo.

É verdade que as pessoas geralmente empurram mais coisas pra dentro do cérebro do que ele é capaz de armazenar. No ano passado, Hovarth e seus colegas da Universidade de Melbourne descobriram que aqueles que maratonavam programas de TV esqueciam o conteúdo muito mais rápido do que quem assistia um episódio por semana. Logo após terminar de assistir, os maratonistas tiveram uma pontuação mais alta num quiz sobre o programa. Mas depois de 140 dias [i.e., quase cinco meses mais tarde], sua pontuação foi menor do que os espectadores semanais. Eles também reportaram que curtiam menos o show do que os que assistem uma vez por dia ou por semana.

As pessoas também estão maratonando palavras. Em 2009, o americano médio encontrava umas 100 mil palavras por dia, mesmo que não “lesse” todas elas. É difícil imaginar que esse valor diminuiu nos últimos nove [dez] anos. Em “Binge-Reading Disorder [Transtorno da Leitura Maratonada]”, artigo de Nikkitha Bakshani para The Morning News, há uma análise do significado dessa estatística. “Leitura é uma palavra nuançada”, escreve ela. “mas o tipo mais comum de leitura é provavelmente a leitura de consumo: quando lemos, especialmente na internet, apenas para adquirir informação. Informação que não tem chance de virar conhecimento a menos que ‘pegue’.”

Ou, como diz Horvath, “é uma risadinha momentânea e depois você quer outra risadinha. Não é nada sobre aprender algo pra valer. É mais sobre ter uma experiência temporária em que se sente como se tivesse aprendido.

Na verdade, não estamos lendo para aprender. Nós gostamos de sentir que estamos aprendendo algo pela leitura e reconhecimento de palavras numa tela. A informação ainda não vira conhecimento, mas gostamos de nos enganar acreditando que ela foi transferida para nossos cérebros e vai ficar lá para sempre.

Aprendizado Espacial e Questões

ENTÃO como podemos reter pra valer as coisas que aprendemos? É preciso dar tempo a si mesmo para digerir o que foi aprendido.

A lição da pesquisa sobre maratonagem é que se você quer se lembrar das coisas que vê e lê, precisa espaçá-las. Eu costumava ficar irritado na escola quando líamos só três capítulos por semana do livro-texto de Inglês, mas há um bom motivo pra isso. Quanto mais você evoca as memórias, mais reforçadas elas ficam, diz Horvath. Se você ler um livro inteiro de uma só vez — durante uma viagem aérea, por exemplo — , você só está guardando a história na sua memória de curto prazo o tempo todo. “Você nunca está recuperando-a”, diz ele.

Continue revisitando os artigos de informação que você gostaria de manter contigo. Frequentemente, noto que ao aprender algo interessante e escrever sobre o assunto, sou capaz de recuperar mais facilmente a informação do que se tentasse recordar algo que vi uma vez só num livro ou artigo em algum lugar.

Sana diz que, geralmente, quando lemos, temos uma falsa “sensação de fluência”. A informação está fluindo para nós, estamos compreendendo-a, parece que ela está se organizando lindamente num fichário a ser guardado nas prateleiras do nosso cérebro. “Mas na verdade”, explica Sana, “ela não se fixa pra valer a menos que você coloque esforço, concentração e engajamento em certas estratégias que vão te ajudar a se recordar.”

As pessoas podem fazer isso quando estudam ou leem algo para o trabalho, mas parece improvável que vão usar seu tempo livre tomando notas sobre Gilmore Girls para se questionar mais tarde. “Você pode estar olhando e escutando, mas pode não estar vendo e ouvindo”, diz Sana. “Acho que é isso mesmo que fazemos na maior parte do tempo.”

Se você estiver estudando para uma prova ou tentando aprender uma fórmula ou conceito complexo, retorne à mesma informação. Toda vez que você revisita o assunto que está tentando aprender, você reforça aquela ideia na sua memória de longo prazo. Dê algumas horas a si mesmo e tente recordar sozinho, sem consultar o material de estudo. Se sentir preso, leia a fórmula ou o conceito novamente e tente recordar-se de novo após algumas horas. Quanto mais praticar isso, melhor você será capaz de reter e recuperar sua memória no futuro.

Scott H. Young é o blogueiro que me desafiou a encontrar a resposta para a pergunta: “Qual o melhor jeito de aprender?” Ele acredita que o aprendizado é a chave para viver bem e tratou o problema das pessoas que esquecem o que leem — e deu uma solução eficaz.

Quando lemos livros, não estamos ativamente engajados com nosso material. Nossos olhos pairam sobre as palavras e gastamos a maior parte do nosso tempo e energia no reconhecimento do que está sendo dito.

Infelizmente, a prática do reconhecimento é virtualmente a única coisa que as pessoas fazem ao ler um livro. […] Raramente você precisa retomar uma ideia específica de modo inesperado. Se você está lendo um livro bem-escrito, pode nem ter que precisar usar a evocação porque os bons autores sabem que isso é difícil e, assim, costumam reiterar pontos feitos anteriormente para que você não fique confuso.

Depois de terminar o livro, você passa a desejar que esse conhecimento esteja disponível numa forma recuperável. Você quer ser capaz de, numa conversa com um colega, na resposta a uma prova ou exame, ou durante uma tomada de decisão, ser capaz de invocar aquela informação que você só praticou a ponto de reconhecê-la. Dado esse padrão, não surpreende que a maioria das pessoas fracassa na recordação do que foi lido nos livros.

Não é razoável esperar que os leitores venham a recordar cada uma das palavras e ideias que um livro contém. Nossas memórias têm limites. Mas muitas vezes ficamos frustrados quando nos pegamos esquecendo muitas partes e ideias tão logo fechamos o livro. A solução oferecida por Scott Young é O Método de Questionar o Livro:

Sempre que ler algo que pretende lembrar, tome notas. Só que, em vez de anotar de modo a resumir os pontos que deseja recordar, faça notas parecidas com perguntas.

Se quiser fazer isso com esse texto, poderia escrever a seguinte questão: “Quais são os dois diferentes processos de memória?”. A resposta seria “Evocação e Reconhecimento.”

Depois, quando estiver lendo um livro, faça uma revisão rápida e teste a si mesmo com as questões que fez nos capítulos anteriores. Ao fazer isso você reforça sua memória evocativa e a informação vai ser muito mais fácil de acessar quando necessário.

Em vez de tomar notas ou reescrever o que o autor diz com as suas palavras, faça a si mesmo as perguntas que te ajudariam a recuperar a informação. No final de cada capítulo, você pode se perguntar qual seria o resumo da ideia principal ou do conceito importante que você quer guardar.

Young também dá dicas extras para tornar esse exercício tão prático quanto possível. Ele sabe que algumas pessoas vão tentar se cobrar demais, tentando fazer testes sobre cada pedacinho de conhecimento do livro. Isso vai tornar a leitura um fardo, levando o leitor a ficar desencorajado com esse método.

Primeiro — não exagere. Tentar recordar cada fato possível de um livro vai tornar o processo de leitura tão entediante que pode matar seu amor pela leitura. Uma questão por capítulo provavelmente é mais que o suficiente para a maioria dos livros. Para livros populares [como um todo], uma dúzia de perguntas deve bastar para capturar o panorama e suas teses principais.

Segundo — coloque o número da página que referencia sua resposta. Se você esquecer algo, poderá ser capaz de checar. Saber que a resposta a um ponto importante está na página 36 vai salvar sua sanidade mais tarde.

Terceiro — use a tecnologia a seu favor. Para livros de papel, recomendo um cartão-índice, pois provavelmente você deve conseguir anotar todas as questões na frente e no verso. Além disso, esse cartão também funciona como marcador de página, evitando que você tenha que folhear suas anotações mais tarde. Se você usa o Kindle [ou qualquer outro sistema de e-book], faça suas perguntas como anotações no livro. Assim, mais tarde, você pode ver suas perguntas para se avaliar.

Praticar o aprendizado espacial e recordar ativamente a informação recém-aprendida pode te ajudar a deixar de esquecer o que você aprendeu. Como exercício, que tal se fazer umas perguntas algumas horas depois de terminar esse artigo:

Como me lembro mais do que aprendi?

Como maratonar afeta minha capacidade de memorizar?

Como a internet influenciou nossa maneira de aprender e reter informações?

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Renato Pincelli
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Written by Renato Pincelli

Bibliotecário, bibliófilo, jornalista, tradutor e divulgador científico que não tem twitter porque detesta limites de palavras. Não necessariamente nessa ordem.

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