Como os EUA ajudaram Fidel Castro a se manter no poder

O anticomunismo de Washington empurrou Havana para os braços de Moscou

Renato Pincelli
7 min readDec 21, 2020
Fidel Castro em 1959: esperto, o líder da Revolução Cubana soube jogar com os temores do anticomunismo americano para consolidar seu projeto de poder.

Por Jonathan C. Brown, no Not Even Past. Tradução de Renato Pincelli.

FIDEL CASTRO teve dois recursos políticos que lhe permitiram manter-se no poder por meio século. Ele tinha tino para transformar adversidades políticas em vantagens e conhecia seus inimigos, especialmente os políticos anticomunistas de Washington, D.C. Sua habilidade ficou evidente bem cedo, quando ele estabelecia sua revolução sob os olhos dos presidentes Eisenhower e Kennedy.

Ao assumir o controle do exército cubano com suas guerrilhas e agir como novo comandante, ele partiu para levar justiça aos bandidos e assassinos do velho regime em Janeiro de 1959. Ordenou que Che Guevara (em Havana) e Raúl Castro (Santiago de Cuba) estabelecessem tribunais revolucionários para julgar policiais e oficiais militares por abusos de direitos humanos. No total, cerca de 600 condenados enfrentaram os pelotões de fuzilamento em questão de meses.

Fidel também mandou a missão militar americana sair do país. Ele acusou-a a ensinar o exército de [Fulgêncio] Batista a perder uma guerra contra um punhado de guerrilheiros. Cuba não precisava desse tipo de treinamento militar: “Se é isso que vão nos ensinar, é melhor que não nos ensinem nada”, disse Castro.

Os cubanos aplaudiram esses atos como justa retribuição pelo medo e o caos causado pela ditatura de Batista. Mas os editores de jornais e os congressistas americanos condenaram as execuções como terror revolucionário. Fidel usou tal crítica para incentivar seus seguidores. Onde estavam esses estrangeiros, perguntou, quando os homens de Batista esmagavam “a flor da juventude de Cuba?”. Pouco depois, o comandante guerrilheiro virou chefe de governo, como primeiro-ministro.

Aclamação popular: os cubanos viram hipocrisia dos EUA nas críticas aos abusos de direitos humanos do novo regime, que eram ironizadas em manifestações como essa.

Em sua viagem a Washington, em Abril de 1959, Castro teve que aturar as constantes perguntas dos repórteres sobre os comunistas que surgiam em seu novo regime. O presidente Eisenhower achou inconveniente estar em Washington quando o novo líder cubano chegou. Ele foi jogar golfe na Geórgia, deixando o vice-presidente para receber o premiê visitante. Não era um encontro qualquer. Richard Nixon e Fidel Castro discordavam sobre quase todos os assuntos: a ameaça comunista, o investimento estrangeiro, o capital privado, o empreendimento estatal. O vice-presidente tentou mostrar ao novo líder quais políticas seria melhor para seu povo e descreveria o cético Castro como um ingênuo diante do comunismo. Sem que a CIA soubesse, os primeiros representantes cubanos já estavam em Moscou, solicitando treinamento militar no Kremlin.

No verão de 1959, Fidel dá início ao projeto de reforma agrária, nacionalizando os latifúndios pertencentes a investidores cubanos e americanos. Sem nenhuma festa, os comunistas assumiram o controle da nova agência que supervisionava a produção de açúcar. O dirigente Mao enviou agrônomos para atuar como conselheiros. Em Havana, a embaixada americana exigia compensação imediata para os proprietários americanos expropriados. Em vez disso, receberam títulos que venceriam em vinte anos.

Castro e Nixon, logo após o encontro histórico realizado em Abril de 1959. Fugindo de Castro, Eisenhower, o presidente-general, foi jogar golfe.

Fidel sabia provocar as reações yankee a fim de expor o grande chauvinismo de Washington. Ele recebeu oficiais soviéticos e fechou um acordo para importar petróleo cru russo. Castro pediu que as refinarias americanas processassem esse petróleo para fazer gasolina. O Departamento de Estado americano pediu que as petroleiras recusassem. Castro teve, então, sua desculpa para confiscar as refinarias.

Em Março de 1960, um navio francês carregado com armas belgas aportou em Havana — e explodiu, matando 100 cubanos. Castro correu para a estação de TV, acusando a CIA de sabotar a carga. No funeral realizado na Praça da Revolução, ele fez um discurso incendiário e anti-americano. Estava acompanhado por personalidades de esquerda que vieram de longe: Simone Beauvoir e Jean Paul Sartre, da França; Salvador Allende, senador do Chile e o ex-presidente mexicano Lázaro Cárdenas. Foi nesse evento que Fidel introduziu seu lema — “Pátria ou Morte, venceremos” — e o fotógrafo cubano Alberto Korda tirou a célebre foto de Che Guevara olhando para a multidão.

Che Guevara na icônica foto de Alberto Korda, tirada durante um comício na Praça da Revolução em 1960.

Naquele momento, o Presidente Eisenhower mandou que o Diretor da CIA, Allen Dulles, encontrasse um meio de se livrar do regime de Castro de um modo que a “mão [de Washington] não apareça”. Agentes ligados à embaixada americana em Havana contataram católicos e grupos juvenis que opunham-se aos amigos comunistas de Fidel. Eles receberam passagens aéreas e salários para sair do país e treinar como soldados na Guatemala. Em Miami e na América Central, Fidel tinha espiões para informá-lo dos progressos da brigada emigrante em treinamento. Assim, ele deixou os diplomatas de Eisenhower na defensiva: eles tiveram que negar as acusações de Castro sobre uma invasão planejada pela CIA.

Enquanto isso, Castro anunciava planos para socializar a economia, projeto que seria chefiado por Che Guevara. O que a Casa Branca faria? A eleição de 1960 estava a todo vapor. No primeiro debate, o concorrente democrata fez a célebre afirmação de que não era ele o vice-presidente em exercício diante de um assalto comunista à ilha situada a penas 90 milhas de Key West. Eisenhower respondeu com endurecimento, baixando a quantidade de açúcar importado de Cuba. Fidel aproveitou a provocação para nacionalizar o que restava das propriedades americanas, especialmente as refinarias de açúcar.

A essa altura, o êxodo dos profissionais liberais de Cuba subia até alcançar mil pessoas por semana. Famílias de classe média faziam longas filas na embaixada americana para obter vistos. O Presidente Eisenhower indicou Tracy Voorhees, o homem que licou com os refugiados da Revolução Húngara de 1956, para lidar com o reassentamento. Ele estabeleceu o Centro de Refugiados Cubanos em Miami. Um coletivo de organizações filantrópicas e do governo americano bancaram voos de evacuação, habitação, serviços de inserção profissional, arrecadação de alimentos e roupas, instituições de ensino e subsídios familiares. Deixe que vão, dizia Castro a seus seguidores. Ele chamava os refugiados de gusanos (vermes), parasitas da sociedade.

Castro se beneficiou dessa interferência americana. Não lhe custou nada se livrar de seus oponentes, ainda mais porque foram os contribuintes americanos que pagaram a conta. Ele utilizou os antigos privilégios dos gusanos para recrutar operários e camponeses em novas milícias. No segundo aniversário da Revolução, em Janeiro de 1961, uma enorme parada militar mostrava tropas armadas como novos tanques T-130 e batalhões com armas checas. Milhares de milicianos marchavam com rifles FAL, de origem belga.

Ele não fechou a embaixada americana, mas fez uso de pessoal de segurança treinado pelos soviéticos para monitorar as atividades dos homens da CIA e da diplomacia. Ele esperou que os americanos cortassem os laços diplomáticos para posar como vítima da malícia dos EUA. Eisenhower cortou relações com Cuba para poupar o novo presidente, John F. Kennedy. Mesmo assim, o novo presidente logo teria que supervisionar a invasão planejada pela CIA com a brigada de emigrantes, coisa que Castro vinha anunciando ao mundo.

Assim, o peso do anticomunismo recaiu sobre Kennedy. Ele não podia desligar o projeto da CIA e levar centenas de jovens cubanos treinados e raivosos para Miami. Também não podia usar as forças militares americanas para auxiliar a invasão. Nikita Kruschev já havia ameaçado proteger a Revolução Cubana, com “homens da artilharia soviética”, se necessário. Além disso, moradores de muitos países latino-americanos se orgulhavam da ousadia de Cuba diante do poder dos EUA. Kennedy ficou preso na armadilha da sua própria bravata anticomunista da campanha eleitoral. Ele mudou alguns detalhes do plano e deu sinal verde para a invasão.

Kennedy e Eisenhower em Camp David, logo após o desastre da Baía dos Porcos. Negada pelo governo americano, a operação foi denunciada desde cedo por Castro, que estava a par do plano.

O desembarque na Baía dos Porcos, em Abril de 1961, foi um desastre. Um assalto de bombardeio por pilotos exilados sobre a Força Aérea da Cuba revolucionária não conseguiu destruir os aviões de caça de Castro. Os que sobraram expulsaram os bombardeiros do céu e afundaram os barcos que levavam as brigadas para o litoral. Os 1400 exilados mataram tantos milicianos quanto podiam até ficar sem munição depois de três dias. Castro colocou, então, os 1200 emigrantes sobreviventes na cadeia. Enquanto isso, grupos de vigilantes populares em Havana e outras cidades cooperavam com as forças de segurança do Estado, detendo milhares de opositores em potencial, que seriam processados e mandados para casa depois de algum tempo.

Che Guevera resumiu o resultado da Baía dos Porcos ao encontrar, “acidentalmente”, com Richard Goodwin, conselheiro da Casa Branca. Foi numa conferência da OEA no Uruguai. Che enviou agradecimentos aos presidente americano pela Baía dos Porcos porque “a Revolução está mais arraigada no poder do que nunca, graças à invasão dos EUA”.

JONATHAN C. BROWN é professor do Departamento de História da Universidade do Texas, em Austin, onde leciona cursos sobre as relações entre os Estados Unidos e a América Latina, a Guerra Fria, a Revolução Cubana e a História da Argentina. É autor, entre outros livros, de A Socioeconomic History of Argentina, 1776–1860 [Uma História Socioeconômica da Argentina, 1776–1860] (1979), Oil and Revolution in Mexico [Petróleo e Revolução no México] (1993) e, mais recentemente, Cuba’s Revolutionary World [O Mundo Revolucionário de Cuba] (2017). Este último título foi sintetizado no presente ensaio, publicado originalmente no Not Even Past em 02/12/2016.

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Renato Pincelli

Bibliotecário, bibliófilo, jornalista, tradutor e divulgador científico que não tem twitter porque detesta limites de palavras. Não necessariamente nessa ordem.