De papo com Proust

Como quem cuida de portadores de Alzheimer é arrastado pelos sintomas da doença

Renato Pincelli
13 min readMay 10, 2024

Dasha Kiper, no The Guardian (Fevereiro de 2023).
Tradução de Renato Pincelli.

HENRY E IDA FRANKEL vivem num aconchegante apartamento de três quartos em Washington Heights, Nova York. De fala mansa, Henry é um arquiteto aposentado de 85 anos; é um homem baixo e bonito, com a cabeça calva e orelhas pequenas. Ida é ainda menor, com um tufo de cabelos brancos recolhidos num coque. Embora ela esteja sempre bem arrumada, com cheiro de talco e lavanda, só Henry sabe o preço dessa elegância. Sempre que ele tenta cortar as unhas dela, dar-lhe um banho ou trocar suas roupas, o rosto de Ida se contorce num esgar irreconhecível e ela se torna um animal feroz e encurralado.

As famílias dos dois mudaram-se da Áustria para Nova York em 1935, quando ambos tinham 10 anos. Eles se conheceram no City College de Nova York e, dois anos após a formatura, casaram-se em 1948. Apesar dos altos e baixos, tiveram um bom casamento. Eles gostam dos mesmos romances e livros e compartilham uma paixão pela música de câmara. Seu apartamento está coberto de livros e uma grande coleção de LPs Deutsche Grammophon. “Não há um CD sequer nesta casa”, afirma Henry. Eles não suportavam a ideia de se desfazer de seus amados discos de vinil.

Enquanto Henry mergulhou de cabeça na cultura americana, Ida continuava a sentir falta do mundo vienense em que foi criada. À medida que Henry avançava, iniciando sua carreira numa firma de arquitetura, Ida sofria para encontrar sua identidade. Primeiro ela queria ser escritora; depois, fotógrafa; depois, decoradora. Ela dizia que queria cavar seu próprio nicho mas não se encaixou em nada.

Aos 70 e poucos anos, Ida começou a mostrar sinais de Mal de Alzheimer. Seu declínio foi gradual: ela passou pela clássica fase da perda de memória e confusão, mas a vida continuava quase igual. Até que um dia Henry chegou em casa e a viu falando com um porta-retrato sobre a lareira. Por todo o apartamento, o casal tem muitas fotos de parentes e amigos distantes. Aos poucos, Ida passou a ir de uma foto a outra, contando às tias ou primos qualquer coisa que lhe passasse pela cabeça. Passado o choque inicial, Henry acostumou-se com essas conversas e acomodou-se com a nova peculiaridade da esposa. Ele conhecia os parentes e amigos dela e não se importava que eles fizessem parte da vida imaginativa da mulher.

Ao completar 80 anos, Ida começou a conversar com os livros. Não conversar no sentido de se identificar com os personagens, mas de falar com os próprios autores. Ou melhor, com as fotos deles. Com isso, Henry não conseguiu se acostumar. Ele nunca sabia quando toparia com Ida diante de um livro aberto na mesa de centro, conversando com a imagem do escritor. “Graças a Deus eles nunca responderam”, confessou.

Com Proust ela poderia falar de sua infância em Viena. Para Virginia Woolf, ela contava sua lua de mel e aquela vez em que Henry ficou perdido em Veneza. Rilke a ouvia sobre moda, porcelana e música popular. Henry nunca sabia o que ela ia dizer, mas soube depois de um tempo que ele deixou de fazer parte dos papos da esposa. Com o passar dos anos, ele passou a se sentir um intruso no próprio lar. Exceto pelos comentários ocasionais sobre compras e compromissos, ela mal se dirigia a ele. Ida reservava seu lado sociável para seus amigos bidimensionais. “Ela fala com eles com uma doçura que falta ao falar comigo”, contou-me um Henry de coração partido. O que dizer para um homem cuja esposa prefere a companhia de escritores falecidos?

QUANDO CONHECI Henry, em Dezembro de 2015, ele já não conseguia separar sua mágoa da preocupação. Bem-educado e de natureza reservada, seria difícil perceber a raiva que fervia em suas palavras — uma raiva voltada quase toda para si mesmo. No fim de nossa primeira conversa, Henry me disse que teria sido um marido melhor se tivesse conseguido salvar Ida da desolação e da indignidade do Alzheimer.

Certa manhã, Henry despertou e viu Ida batendo papo com Thomas Mann. Percebeu então que o carinho que tinham por certos escritores, que antes os uniam, agora abria um poço entre ambos. Como ele poderia competir com o autor de Os Buddenbrooks [ou “A Decadência de uma Família”, primeiro livro de Mann]? Ele não pôde resistir e ficou com inveja das fotografias. Às vezes até espionava a esposa. Depois, quando ela o acusava de bisbilhotar, ele sentia-se terrível.

Mesmo sentindo-se incomodado com os delírios da esposa, Henry não deixou de ser seu protetor. Quando os médicos ou amigos recomendavam que ela fosse medicada, ele deu de ombros. Para Henry, contanto que ela estivesse feliz não havia motivo para se preocupar. Ele não queria privá-la de sua rica imaginação. “Pelo menos um de nós tem uma vida social”, brincou.

Era uma tarde ensolarada quando encontrei Henry no Museu Cloisters, perto de sua casa, em Washignton Heights. Ele me contou que, na noite anterior, Ida tinha um convidado para o jantar: o escritor austríaco Stefan Zweig, falecido em 1942. “Eu deveria me achar o máximo por receber Stefan Zweig para jantar”, resmungou Henry. Ele não tentou parecer engraçado.

O jantar não havia corrido bem. Após botar a comida na mesa, Ida voltou toda a sua atenção para a capa das memórias de Zweig, O Mundo de Ontem. Então, ela lhe pediu que servisse um rolinho ao convidado. O pedido estilhaçou seu auto-controle. “Você tem ilusões ridículas!”, gritou. “É só uma foto! Fotos não comem! Sua loucura está me deixando louco!”

Imperturbada, Ida preparou o prato para o seu convidado. Mas quando ela insistiu que Zweig desse uma mordida, Henry não aguentou: “Eu te falei! Não dá para alimentar uma foto. Por isso você precisa me ouvir.”

Ao me relatar isso, Henry soltou um sorriso: “Sabe, foi bom dizer tudo para ela.” Mas essa sensação foi logo engolida pela culpa. Ida ficou magoada e parou de comer. Envergonhado pela vulnerabilidade dela e pelo absurdo de sua pequena vitória, Henry quase implorou por perdão. Sua explosão, confessou, deixou-o abalado e miserável. Ele ficou perplexo diante do próprio comportamento: “As pessoas dizem que a minha mulher tem um problema. Mas sou eu. Eu é que sou o problema.”

EMBORA COISAS como o comportamento irracional e a falta de juízo sejam esperadas dos pacientes com Mal de Alzheimer, costumamos nos surpreender pelo comportamento confuso dos respectivos cuidadores, que muitas vezes refletem as negações, as resistências, a irracionalidade, as distorções e os lapsos cognitivos das pessoas sob seus cuidados. Os cuidadores, apesar de reconhecerem seus impulsos como negativos, podem se pegar comportando-se de maneiras que sabem que não fazem bem: discussões, troca de acusações, apelo à realidade e levar os sintomas para o lado pessoal. Como os cuidadores são “os saudáveis”, supomos que eles devem ser racionais, o que lhes faz sentir que a dificuldade de se adaptar à doença é um defeito individual.

Tradicionalmente, os estudos de caso neurológicos concentram-se no cérebro “anormal” e seus efeitos sobre o paciente. Mas e quanto às pessoas mais próximas do paciente? Será que suas reações, suas dificuldades, sua própria desorientação diante de uma doença neurológica também não lançam luz sobre o funcionamento da mente humana? A mente “normal”, na verdade, nunca é uma tábula rasa, nem mesmo no recém-nascido. Acontece que nosso cérebro é “ultra-social”, recheado com instintos, impulsos, necessidades e intuições. Tudo isso dita a expectativa inconsciente que temos dos outros. São estas tendências cognitivas que atrapalham nosso entendimento e tratamento da demência.

Na linguagem comum “demência” ainda é usada para identificar uma doença. Mas o termo, de fato, cobre um conjunto de diferentes sintomas associados ao declínio cognitivo, como perda de memória, descontrole emocional e dificuldades de raciocínio, planejamento e solução de problemas. Uma demência pode ser temporária e às vezes é causada por drogas, desidratação ou falta de vitaminas. Mas transtornos de demência, como o Mal de Alzheimer, a demência do corpo de Lewy, a demência frontotemporal e a demência vascular são doenças irreversíveis.

No mundo todo, mais de 55 milhões de pessoas vivem com demência — estima-se que até 2050 esse número vai quase triplicar. O Mal de Alzheimer é o tipo mais comum de demência e, nos EUA, 6,5 milhões de pessoas apresentam sintomas que vão de uma leve perturbação cognitiva ao Alzheimer profundo. Ainda que o envelhecimento seja o principal fator de risco, a demência não afeta exclusivamente as pessoas idosas. Demências precoces (com sintomas antes dos 65 anos) respondem por 9% de todos os casos. Estima-se que o custo global de tratar tais transtornos seja da ordem de US$ 1,3 tri e vai mais que dobrar em dez anos.

Nos EUA, são mais de 16 milhões os cuidadores encarregados dos portadores de demência (o número mundial é grande demais para uma boa estimativa). Esses cuidadores, que geralmente são filhos ou companheiros, não são apenas testemunhas do declínio cognitivo de um ente querido. Eles são parte ativa desse drama, vivendo numa realidade onde não se aplicam mais as regras de tempo, ordem e continuidade.

AFINAL, quando a memória desaparece, o mundo muda não apenas para os afetados, mas para quem cuida deles. Como a memória — com seus ocasionais lapsos, tropeços e narrativas — é algo tão integrado em todos os aspectos da vida, seu desaparecimento deixa tudo quase incompreensível. Nós simplesmente não temos nenhuma outra estrutura cognitiva que possa tomar seu lugar. Os seres humanos, naturalmente, não evoluíram para viver em isolamento. A cognição de cada pessoa depende das faculdades cognitivas de quem está por perto. Assim, quando a memória de uma pessoa é prejudicada, seus parentes e amigos também podem ficar desorientados.

Para quem olha de fora, os sintomas de um paciente sem dúvida serão uma característica clínica, o resultado de uma doença. Mas para um parente que cuida, os mesmos sintomas vão parecer mais uma traição do que um déficit neurológico. Pois quando o paciente se esquece, é o cuidador que se sente apagado ao ver que suas palavras, seus esforços e sacrifícios são muitas vezes ignorados ou negados. Sem a memória de outra pessoa em colaboração com a própria, alinhando o que ambos veem, ouvem e se lembram, os cuidadores podem sentir que nada do que fazem é o suficiente ou que eles não são bons o bastante. Se a dinâmica familiar já era assim, essas rejeições só vão aprofundar as feridas existentes.

Por isso, a perda da memória da Ida era também uma perda para Henry. Incapaz de compartilhar as mesmas memórias ou de formar novas em conjunto, Henry sentia ter perdido uma amiga, uma parceira, um pedaço de si mesmo: ela era sua esposa e amiga há mais de 60 anos. Quando estava longe dela, ele ainda sentia saudades de sua voz, seu perfume, seus gestos. Acima de tudo, ele sentia falta de sentir-se útil. Agora, enquanto ele cozinhava ou a ajudava a se vestir, ela parecia não se importar.

Henry debocha de si mesmo: “O que eu devia esperar? Que ela levante e diga: ‘Nossa, como você é um bom marido’?” O pior é que a demência de Ida a colocava num mundo onde Henry tinha um papel cada vez menor. Ele sabe que ela está doente, que ela não pode controlar o que sente e como se comporta. E, no entanto, ele não consegue se livrar do peso das rejeições diárias de Ida.

Como ele admitiu francamente, Henry é um bonzinho. Primeiro tentou agradar uma mãe difícil, depois os clientes difíceis e mais tarde, claro, as ocasionais decepções da esposa. Mesmo depois que Ida adoeceu, quando ela já não o reconhecia exceto como um cuidador, ele ainda queria fazê-la feliz. Mas ele também queria que ela soubesse o quanto ele tentava ajudá-la. Ele considerava isso — precisar da boa opinião dos outros para ter uma boa imagem de si mesmo — como uma fraqueza. E sentia-se envergonhado por tentar ganhar as boas graças de sua esposa, mesmo sabendo que sua prioridade deveria ser o bem-estar dela, não sua autoestima,

Henry internalizou uma mensagem constantemente ouvida pelos cuidadores: é a doença, não sua espoa (ou marido, mãe, irmão, etc.). Assim, quando os cuidadores perdem as estribeiras ou sentem-se feridos pelos seus pacientes, eles costumam se repreender por encarar tudo pessoalmente, por buscar a aprovação de pessoas que não têm condições emocionais ou psíquicas de concedê-la. Mas não deveria ser assim. Só porque acreditamos ter o dever de saber melhor ou de que deveríamos ser imunes à opinião de outras pessoas não quer dizer que é mais fácil manter nosso self independente dos pensamentos e ações de outras pessoas.

As reações de Henry ao comportamento indiferente de Ida não são apenas compreensíveis; são, de fato, biológicas. Como explica o psicólogo social Matthew Lieberman, o córtex pré-frontal medial, área do cérebro ativada quando pensamos em quem somos, também se liga quando refletimos sobre como os outros percebem o mundo. Em termos neurológicos, parece não haver nenhum lugar específico do cérebro que seja imune à influência das outras pessoas. Lieberman vai além e descreve o córtex pré-frontal medial como “uma via expressa da influência dos outros em nossas vidas”. Para ele, o self é nada menos que “a armadilha mais traiçoeira da evolução, como um agente secreto” que nos torna receptivos às mentes alheias pela acomodação de seus pensamentos e ideias. Neurologicamente, portanto, não há muita diferença entre pensar em si mesmo e pensar nos outros. Nós realmente não “escolhemos” ficar preocupados com outras pessoas. Em algum momento da evolução, pensar nos outros tornou-se um hábito neural, algo que o cérebro faz automaticamente.

Como exemplo de nossa suscetibilidade ao modo como os outros se comportam, imagine três pessoas que se encontram trancadas numa sala desconhecida. Elas são participantes de um experimento. Estão todas sentadas, até que alguém percebe uma bola num canto. Essa pessoa pega a bola e a joga para outra pessoa, que a passa para a terceira. Logo, elas estão jogando a bola entre si despreocupadamente. A certa altura, sem aviso prévio, duas pessoas passam jogar apenas entre si, excluindo a terceira. Sem nenhum motivo, elas ignoram o terceiro, e continuam brincando sozinhas. A pessoa excluída pode apenas ficar olhando o jogo prosseguir sem sua participação.

Evidentemente, essa interação é o experimento. As duas pessoas que jogam entre si estão combinadas, mas a terceira não sabe disso. O jogo chama-se cyberball e foi criado pelo psicólogo Kip Williams. Como se trata de uma interação sem riscos, é fácil imaginar que não levaríamos a exclusão do jogo a sério. Mas você estaria se iludindo se pensa que não seria afetado pela exclusão.

Esse argumento foi reforçado por Lieberman ao replicar o cyberball durante exames de ressonância magnética funcional. O psicólogo orientou as pessoas a jogar uma versão digital do cyberball, com outros dois jogadores. Os participantes da pesquisa acreditavam que estavam jogando com jogadores de verdade. Porém, o jogo era com avatares virtuais, programados para excluir o participante a partir de certo ponto. Como esperado, muitos participantes expressaram mágoa e raiva diante da rejeição. A descoberta surpreendente veio em seguida, quando os participantes foram informados de que seus “adversários” eram, na verdade, um programa de computador feito para rejeitá-los. Mesmo após saber que haviam interagido com uma máquina, os participantes ainda sentiram feridas sociais.

Lembrei dessa experiência quando Henry admitiu que estava com inveja de Stefan Zweig. “Inveja de Stefan Zweig! Inveja de Stefan Zweig!”, repetia Henry para si mesmo, incrédulo. Ele não podia acreditar. Mas eu entendi. Se podemos ser perturbados pela rejeição de um computador, como não poderíamos nos sentir socialmente machucados quando somos ignorados, desconsiderados ou acusados por aqueles que conhecemos e amamos? Para Henry, por mais que os “relacionamentos” da esposa fossem imaginários, a demência não fez Ida deixar de ser uma pessoa. O que o incomodava era que Ida estava vivendo sua vida sem ele.

Para o nosso sistema biológico, a manutenção de laços sociais é tão importante que a causa da rejeição tem um peso bem menor do que se imagina. A biologia, afinal, não tem interesse nas sutilezas do pensamento mas na sobrevivência. E é para nos ajudar a sobreviver que vivemos em comunidade. Provavelmente é por isso que nós, seres humanos, como muitos outros mamíferos, sentimos o isolamento ou a rejeição social como algo doloroso. A rejeição literalmente nos machuca. A dor física e a emocional podem parecer distintas, mas ambas têm a mesma origem neurobiológica. Do mesmo modo que a dor física nos alerta para algo que pode ser prejudicial, a dor social nos alerta para os riscos associados ao isolamento. Dessa forma, a dor social é um sinal adaptativo, que nos força a manter a proximidade.

Os perigos do isolamento são bem conhecidos. Quem fica só pode ter o sistema imune prejudicado e a solidão pode ser tão prejudicial à saúde quanto o sedentarismo e a hipertensão. Uma pesquisa bastante citada indica que a solidão é comparável a fumar 15 cigarros por dia. Também sabemos que a solidão aumenta os riscos de depressão e ansiedade. Mas há outros efeitos menos conhecidos sobre a saúde mental: o nível de atenção diminui, o que interfere no juízo e autocontrole, duas qualidades necessárias para lidar com as fixações e delírios de um paciente [de Alzheimer].

Será de surpreender que os cuidadores possam ficar tão voláteis quanto as pessoas aos seus cuidados? Não foi a crueldade que fez Henry ficar bravo com Ida. Na prática, foram os sintomas dela que produziram em Henry a sensação de solidão. Esse sentimento, por sua vez, reduziu a flexibilidade emocional dele para lidar com a doença. Quando os pacientes se retiram para seu próprio mundinho, podemos entender isso como um sintoma do ponto de vista racional. Mas do lado emocional, nos sentimos abandonados e podemos ter dificuldade para controlar nossas emoções.

Aliás, uma das ironias do mal de Alzheimer é que os instintos sociais adaptativos do cérebro passam a se voltar contra nós. Como existe uma ligação biológica entre dar e receber cuidados, a rejeição de Ida aos tratamentos de Henry o levam, naturalmente, a se sentir descuidado. Quando se sente rejeitado pelo desinteresse de Ida, ele tenta aliviar a dor ao provar seu valor. Mas então Ida não pode ou não quer aceitar os cuidados que ele provê, frustrando-o a ponto de se esforçar mais ainda.

Numa observação triste durante um de nossos últimos encontros, Henry disse que “deveria estar feliz se ela está feliz. Ela tem os livros e as fotos dela e quando toco música, ela está no paraíso. Ela realmente não precisa de mais nada.”

Ele pausou, num longo momento de silêncio.

“Mas como posso me acostumar com o fato de que ela não precisa mais de mim?”

Formada em Psicologia pela Columbia University, DASHA KIPER trabalhou com grupos de apoio ao Mal de Alzheimer e tem experiência no acompanhamento tanto de portadores de demência quanto de seus cuidadores. Este artigo — publicado originalmente no “The Guardian” (28/02/2023) — é um extrato editado do primeiro livro de Kiper: “Travellers to Unimaginable Lands: Dementia, Carers and the Hidden Workings of the Mind [Viajantes de Terras Inconcebíveis: demência, cuidadores e os bastidores da mente]”.

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Renato Pincelli

Bibliotecário, bibliófilo, jornalista, tradutor e divulgador científico que não tem twitter porque detesta limites de palavras. Não necessariamente nessa ordem.