O que vi quando fui o “rapaz da TV a cabo”
Um vislumbre do lado sombrio dos subúrbios norte-americanos: mafiosos russos, viciados em Fox News, um homem engaiolado num porão e Dick Cheney.
Por Lauren Hough, em colaboração para o Huff Post.
Ilustrações de Sarah Maxwell. Tradução de Renato Pincelli.
NÃO É POSSÍVEL te dizer sobre um dia específico como técnico de TV a cabo. Não tenho certeza se meu primeiro cliente foi uma acumuladora de gatos. Posso te dar alguns detalhes, claro: eu passava Vick nos meus lábios para tentar cobrir o odor de tapetes, paredes e mobílias ensopadas com mijo de gato. Eu usava booties [botinas femininas, com salto], não para proteger os carpetes da lama nas minhas botas, mas para manter o mijo de gato longe dos meus pés. Posso dizer que o problema no cabo dela era que seus gatos mastigavam a fiação, que eu tive que deslocar um gato mumificado atrás da TV para substituir uma conexão, que a amônia infiltrava-se nas fibras de poliéster do meu uniforme azul e áspero, grudando no suor do meu cabelo. Foi um odor que me acompanhou até o trabalho seguinte.
Mas qual foi o trabalho seguinte? É disso que não consigo me lembrar — como um dia em particular se desenrolava. Talvez o trabalho seguinte tenha sido em Great Falls, Virgínia, onde uma esposa atendeu a porta com alguma lingerie preta. Nem reparei nisso por me esforçar para manter contato visual em caso de nudez fora de contexto. Ela esperava por um homem e quem apareceu fui eu, uma lésbica de 1,80 metro. Se eu bater à sua porta uniformizada e com um cabelo que é conhecido entre os barbeiros como a Opção Lésbica Internacional Nº. 2, você também iria me tomar por um homem. Acontece com todo mundo, mas ela foi diferente por perceber que eu sou mulher. Nós rimos disso. Ela vestiu um robe enquanto eu trocava seu equipamento. Amei quando ela perguntou se eu precisava usar o banheiro.
Durante 10 anos, trabalhei como técnica de cabo nos subúrbios da Virgínia ao redor de Washington, D.C. Ao longo desses 10 anos, os apartamentos, as McMansões, os clientes, os insetos e cobras, os postes telefônicos, o trânsito, o frio, o calor e a chuva juntaram-se num borrão na minha memória. Mesmo na época eu dificilmente lembrava de um serviço do dia anterior, a não ser que fosse algo extraordinário. E o extraordinário é subjetivo e muda a cada dia que se passa vendo coisas que o pessoal que trabalha em escritório jamais verá — seus colegas em cada durante a semana, o Id americano vestido com roupas de baixo e se perguntando se havia deletado o histórico de navegação.
Acima de tudo, o que mais lembro era a necessidade de mijar. E também lembro daqueles pequenos vislumbres do grotesco. Vou chegar no Dick Cheney mais tarde. O que me vem à cabeça agora é o lobista anti-gay cujo escritório estava coberto de recortes elogiosos da Focus on the Family e fotos com Pat Buchanan e Jerry Falwell — mas onde o quarto do filho era pintado de pink e lotado de Barbies. O filho do hipócrita disse que ainda era um menino, mas pensava que seu vestidinho de verão era muito fofo. Eu concordei dizendo que amava margaridas e ele ficou nas nuvens. Quando seu pai me agradeceu, eu queria mandá-lo à merda. Por que caralhos alguém trabalha ativamente para garantir que o mundo seja um lugar mais perigoso para seu lindo garotinho? Mas eu não lhe perguntei isso. Só me levantei e fitei seus olhos até ele desviar o olhar. Eu precisava do serviço e suponho que esse mocinho vai crescer odiando o pai.
Talvez o trabalho seguinte tenha sido do sujeito cuja ordem de serviço [O. S.] dizia “irado”. Não é algo que você gostaria de ver numa O.S. Não quando você já está atrasada e ainda vai precisa segurar o xixi porque aquele “irado” quer dizer que o próximo cliente não vai ser uma mulher de lingerie — seria um cara que põe o pênis pra fora enquanto eu ajustava as configurações de sua TV.
Eu sei que, depois disso, parei num acostamento quando vi um cavalo, não muito longe de Great Falls. Não faz muito tempo, esse lugar era formado principalmente por fazendinhas e latifúndios. Hoje, as McMansões superam as fazendas em número. Mas ainda há alguns refúgios. Na cerca, chamei o cavalo, que veio bufar no meu cabelo. Dei-lhe uma maçã e posso dizer que falar com um cavalo ajuda bastante quando você não sabem nem como respirar.
Ou talvez aquele “irado” fosse um “irado, sem ch. 72 fn”. Ou seja, sem Fox News. Esses eram medonhos pra gente. Era ainda pior quando a anotação era complementada por “chamada repetida”. Isso significa que alguém já havia passado por ali. Se fosse alguém que eu pudesse ligar pra saber, ele me diria: “Tome cuidado. O FDP ficava me chamando de ‘moleque’. Daí, ele levantou e passou a me chamar daquela palavra [provavelmente a n-word, ‘nigger’, o equivalente americano de ‘preto’]. Sim, claro que eu falei pra eles. Te repasso os e-mails agora. Peraí, tenho que fazer uma curva. De qualquer modo, é a TV dele. O imbecil colocou uma tela de plasma em cima da lareira. Cobre o merdinha por isso porque eu avisei. Divirta-se.”
Eu entrava preparada pra tudo: choro, masculino ou feminino, não importa; agressões verbais; ameaças físicas. Dizer que eram apenas ameaças é o mínimo, considerando a sensação de estar na casa de um desconhecido, num território desconhecido, onde não se sabe o que há no fim do corredor, atrás daquela porta, se eles têm uma arma, se vão te botar contra a parede e gritar com você. Isso se eles param por aí, pois não importa o que você faça, eles podem ligar reclamando. Claro que podemos sair dali se nos sentimos ameaçados. Só que nem sempre tínhamos certeza disso. Seja como for, mesmo quando cancelávamos a visita, outra pessoa seria mandada pr’aquela casa mais tarde. “Irado. Chamada repetida”. E nós perderíamos nossos pontos que precisamos fazer.
Os pontos: cada serviço recebe um número de pontos — 10 pontos para uma chamada do tipo “meu cabo está sem sinal”, 4 para desconectar uma linha, 12 para instalar internet. Nós precisávamos de uns 120 pontos por dia para cobrir nossa cota mensal.
Uma linha cortada valia 10 pontos, não importa se tentávamos consertar ou não. Nós poderíamos fazer uma emenda se achássemos o corte. Ou poderíamos instalar uma linha temporária. Mas você não pode fazer isso atravessando o jardim do vizinho, a calçada ou a rua. Eis o que aconteceu com o cara que estava construindo uma piscina: os escavadores cortaram seu cabo. Eu sabia antes mesmo de entrar. Mas ele ainda queria me levar pra dar uma olhada no receptor mudo enquanto conversávamos. Eu fiz isso porque o fã-clube da Fox News adora fazer chamadas reclamando de técnicos rudes.
A tomada, onde a linha do cabo se conecta, ficava num quintal vizinho. Havia uma portinha pra cachorro na porta dos fundos daquela casa. Eu gosto de cachorros, mas não sou idiota. Disse a ele que levaria uma semana, talvez dez dias, pra conseguir uma nova linha. Rangendo os dentes, ele exigiu uma data exata e eu passei o número do meu supervisor. O tempo todo, sua esposa estava na cozinha, passando pano numa pia já limpa.
Eu estava lá fora, preenchendo ordens de serviço e mandando e-mails pro meu supervisor, atualizando-o sobre uma possível chamada de um membro do queridíssimo grupo de culto à raiva dos técnicos de cabo quando sua mulher bateu à janela da minha van. Ela deu um passinho pra trás e eu a chamei de “senhora”. Era uma senhora simpática. O marido dela, com uma camisa pólo enfiada na cintura, perguntou meu nome e eu lhe disse: “Lauren”. Ele ouviu Lawrence porque era o que ele achava adequado e pediu pra me chamar de Larry. Caras como esse usam seu nome como uma arma: “Larry, me explique porque eu tive que ficar plantado aqui esperando da 1 às 3 e você só aparece às 3:17. Isso parece um bom atendimento ao cliente pra você, Larry? E agora você fala em 7 a 10 dias? Larry, tô por aqui de te ouvir falando merda.” Com sujeitos assim, é melhor deixar que eles pensem que sou homem mesmo.
Ela dizia estar constrangida por ele, mas eu disse que estava tudo bem. Falei que realmente não havia nada o que eu podia fazer. Seus olhos ficaram marejados com lágrimas que ela vinha segurando desde Deus sabe quando. “É que, quando ele tem a Fox”, disse ela, “ele tem o Obama pra odiar. Se ele não tiver isso…” Ela não parava de olhar sobre seu ombro e estava assustada com ele. “Sinto muito, mas preciso que ele tenha a Fox.”
O vizinho com o possível cachorro perigoso não estava em casa. O vizinho do outro lado também não. Mas dei uma olhada na conta dele e dei sorte. Ele não tinha serviço de TV. Puxei seu modem no meu laptop e vi um sinal perfeito. Havia um atenuador no ponto onde o cabo era conectado à fiação da sua casa para abrandar o sinal — sinal forte demais também é um problema. Eu tinha cabo suficiente pra ligar uma linha até a casa do vizinho, para que aquele cuzão pudesse ter sua cota de raiva com o [Sean] Hannity [apresentador da Fox News]. Lembro de ter deixado uma nota na porta do vizinho, com alguma mentirinha sobre um serviço urgente de internet. Percebi que esse vizinho poderia ser muito mais compreensivo sobre o serviço de internet do que sobre a Fox. Tenho certeza pra caralho disso.
É possível que o serviço seguinte tenha sido banal de todas as maneiras. Eu gostava desses serviços. Não há nada pra lembrar além de, talvez, um cachorro fofinho ou então algumas aranhas. Mas eu me acostumei com aranhas e já nem sinto mais as picadas de mosquito. Se o cliente era algum tipo de trabalhador braçal, costumava me oferecer água. Normalmente, eu não aceitava, mas era um gesto bonito.
Os trabalhadores de colarinho azul [i.e., operários] eram sempre os meus favoritos. Eles não te tratam como um serviçal. Eles não te dizem: “Gostaríamos que entrasse pela porta de serviço”. Eles não te veem como um idiota só porque você usa um crachá pra trabalhar e tem as mãos calejadas. Os livros que têm nas estantes não têm capas de couro, mas suas lombadas estão desgastadas. Na maioria dos casos, quando se liga a TV deles, não está sintonizada na Fox — e eles são os únicos clientes que dão gorjeta.
O serviço seguinte pode ter exigido que eu subisse num sótão. Se fizesse uns 30º. C lá fora, seriam uns 70º. C lá em cima. Eu suava metade do meu peso e minha pele coçava como se tivesse sofrido uma insolação pelo resto do dia. Em algum momento, eu trombaria meu nariz com alguma coisa. É preciso ser ágil num sótão. Você não desce e nem todos os clientes vêm ver se sua carne já está bem-passada. Se o cliente tivesse um pingo de humanidade, você podia pedir um reagendamento para bem cedo de manhã.
Essa humanidade é mais rara do que imaginei quando comecei esse trabalho. Uma mulher queria que eu me enfiasse num espaço minúsculo com uns 90 centímetros de água e pouco mais que isso de altura debaixo do piso dela. Uma cobra passou nadando pela abertura. Ela disse que não era uma copperhead [cobra venenosa dos EUA]. Como se não fosse nada.
Nós tivemos uma nevasca certo ano — OK, na verdade foram algumas. Snowmaggedon, Snowverkill e Snowmygod e acho que esses nomes vieram da WTOP [estação de rádio que cobre a região metropolitana de Washington, DC]. Nós tínhamos que trabalhar. Fui responder uma chamada e o problema eram as pilhas descarregadas num controle-remoto. Eles não achavam que pilhas fossem problema deles. Depois, queriam que eu substituísse uma linha derrubada. Claro, aquele poste também tem uma linha de energia. Muito bem, o poste estava deitado na rua mas nós demos um jeito de fazer alguma coisa. Eu não expliquei porque não saí da minha van, só mandei uma foto pro supervisor com a legenda “Que bosta”.
A maioria das ruas estava bloqueada: 88 centímetros é muita neve. Um policial estadual me pediu pra dar o fora da rua. Meu supervisor disse que não podíamos: “Trabalhamos com telefone então somos considerados um serviço de emergência.” Nem eu nem ninguém que eu conhecia fazia nenhum serviço telefônico.
Os supervisores faziam um belo espetáculo fingindo se importar se a gente havia chegado aos locais dos serviços. Os atendentes cancelavam tudo o que podiam. Entre os técnicos não se falava quase nada. De vez em quando alguém passava um áudio pelo Nextel gritando: “Isso é uma merda! Eles vão nos matar, porra!” E alguém respondia: “Eles nem ligam, cara. Eles não teriam que pagar de qualquer modo. Esses FDP vão fazer um exame de urina no teu cadáver e dizer que você estava chapado.”
“Eles vão se importar pra caralho quando eu meter minha van na recepção do edifício.”
“Cara, eu vou capotar a próxima Ford Ranger que eu ver”. Os supervisores dirigiam Rangers.
“Foda-se isso, eu vou capotar uma viatura da polícia.”
“Como é que vocês vão saber o que capotar, seus putos? Não consigo enxergar nem a porra do limpa-neves na minha frente!”
Eu não podia responder pois minha voz poderia se destacar. Tínhamos que torcer pela humanidade dos outros, dos clientes, porque a empresa não se importava nada. Não eram eles que precisavam dirigir no meio de uma nevasca. Ah, as nevascas…
OS DEMAIS DIAS eram tão parecidos que se misturavam muito bem. Mas voltemos ao meu dia imaginário e vamos dizer que em seguida fui ver uma mulher com um mastim chamado Otto. Eu não lembro muito dela porque gosto de mastins com suas grandes cabeças idiotas. Pra ela, eu disse que precisava descer no porão. E ela: “Sério? É que tá uma bagunça” (nunca é por causa disso). Como havia somente uma linha passando pela parede de alvenaria, provavelmente havia um splitter [distribuidor/divisor de sinais eletrônicos]. Ela era maior do que eu — o que eu lembro porque, como disse, eu sou alta. Provavelmente era uma característica útil pra ela considerando o que encontrei em seguida. Eu disse o que digo pra todo mundo que reclamava de invasão de privacidade: “A menos que você tenha uma criança numa gaiola, eu não ligo a mínima”. Crianças engaioladas eram um horror inimaginável na época, um bom lugar para estabelecer um limite.
Aliás, vale a pena dizer: se você tem planos para plantar quantidades massivas de maconha [no porão], eu respeito. Mas não use um distribuidor de três pratas comprado numa farmácia quando você fizer sua própria extensão. Cedo ou tarde, você vai ter um técnico de cabo no seu porão. E você vai sentir a necessidade de lhe dar um saco cheio de baseado pra aliviar sua paranoia. O que é apreciável mas mas não me levem a mal. Maconheiros, eu adoro vocês. De verdade. Vocês nunca gritam e eu posso pedir pra usar seu banheiro porque vocês estão chapados. Vocês nunca fazem reclamações. Só que esconder seu bong atrás da TV quando o cara do cabo está chegando não é a melhor coisa a fazer.
Enfim, continuando: a mãe do Otto riu e disse que não era uma criança. Demorei um momento pra sacar. Ela desceu para pedir a permissão dele e eu fui autorizado a entrar numa masmorra onde ela tinha um homem numa gaiola. Não lembro se ela tinha um distribuidor defeituoso, então isso provavelmente foi no começo da minha carreira. Depois de alguns anos nem uma masmorra era interessante. Mas os profissionais do sexo dão gorjeta.
Digamos que o cliente a seguir era um merdinha atarracado que andava feito uma chaleira e batia nos filhos. Às vezes dá pra perceber, a gente reconhece o olhar que eles têm, o cheiro de medo no ar. Ele me seguiu até o escritório [da casa dele] e se esfregou na minha bunda enquanto eu me virei pra desplugar o modem. Deixei passar daquela vez. Há momentos em que você sabe que é melhor não reagir.
Aliás, havia muitos sujeitos do tipo. Esses eu nunca esqueço. Eles se infiltram na sua pele feito mijo de gato, mas você não pode lavá-los. É por isso que não ligo quando a maioria das pessoas pensa que sou homem. Eu sempre tinha que calcular entre os riscos de voltar pra minha van e os riscos de acontecer algo pior.
Um desses nojentos tinha um terno mais caro que meu carro. Não faço ideia de quão caro era seu sorriso. Ele tinha um elevador em sua McMansão de três andares. Talvez ele pensou ser meu dono também. Eu quebrei o nariz dele com meu alicate de linha. Foi um belo uso pr’aquele alicate. Ele me chamou de sapatão. Eu perdi meus pontos mas espero ter arruinado seu terno.
Consegui voltar pra minha van, que se tornou minha casa, meu escritório, minha sala de jantar. Estava segura na minha van, pois podia estacioná-la numa praça por alguns minutos, fumar um cigarro, ler as notícias, checar o Facebook e respirar até parar de tremer ou de chorar. Isso, claro, se houvesse uma vaga pra parar, de preferência na sombra. Nós éramos monitorados por GPS, mas se eu não me afastasse muito da rota sempre podia dar a desculpa de engarrafamento. Isso era o norte da Virgínia e sempre havia engarrafamentos.
Pode ser por isso que me atrasei pro serviço seguinte. Meu expedidor, meu supervisor, outro expedidor e o supervisor do expedidor, todos ligaram pra perguntar minha ETA [hora estimada de chegada, na sigla em inglês]. Esquece, o serviço foi cancelado.
“Irado” nem sempre significa irado mesmo. Às vezes é só alguém que recebeu três técnicos para consertar a internet, ninguém lhe deu ouvidos e disseram que haviam consertado. Na noite anterior ele estava dando lances num trem [em miniatura, claro]. Era uma peça especial, que ele só tinha visto no eBay uma vez em cinco anos. Uma vez. Ele mostrou-me sua coleção, que ficava numa garagem do tamanho da quadra do meu colégio. Seu sensato Toyota quadrado ficava estacionado do lado de fora: a garagem era para os trens. Ele tinha de tudo, do Velho Oeste à Suíça. Mas o trem que ele queria acabou nas mãos de alguém em Ohio porque sua internet caiu de novo e ele perdeu seu lance. Ele não estava bravo, estava de coração partido e ninguém entendia.
Eu lembro que ele começou a usar um clicker pra treinar cachorros quando eu disse que o sinal estava bom atrás do modem. Ele se desculpou, dizendo que o clicker o ajudava quando ele se sentia estressado. Eu disse que deveria tentar fazer o mesmo: meu dentista não gosta do jeito que eu aperto meus dentes. “Todo mundo veio aqui e falam que está OK”, disse ele. “Mas depois cai de novo”.
Foi mais ou menos nessa época que meu supervisor se deu conta de que eu era muito boa na resolução de problemas que os caras não faziam ou não conseguiam. E muito, muito boa com os clientes que perdiam a paciência. Acontece que os caras olham pro cabo como uma ciência exata. Se disser o nome de um canal, eles respondem qual é a frequência. Eles podem te dizer qual é a atenuação de sinal a cada 30 metros de qualquer marca de cabo. Os consumidores seriam apenas idiotas que não sabem diferenciar erro de bitrate de perdas de pacote.
Eu olhava pro trabalho do como se fosse um encanador ou algo assim. Eu conserto coisas. Alguns clientes podem ser idiotas mas a maioria só queria que as coisas funcionassem conforme o prometido. O encanamento desse cara estava furado. Eu não prestei atenção na aula quando explicaram porque a interferência pode piorar de noite ou esqueci logo depois da prova. Porém, eu sabia o que era. Então, quando o problema só aparecia à noite, comecei a procurar um vazamento. Era uma junta mal-feita lá fora. Os outros caras não perceberam porque não lhe deram ouvidos. Porque ele era diferente, porque ele era o cliente e os clientes são todos idiotas.
QUANDO TINHA uns seis anos no ramo, lembro de ter treinado um cara. Ele havia sido contratado por 5 dólares por hora a mais que eu, uma diferença de 31%. Eu saí perguntando, mesmo sabendo que não tínhamos permissão de discutir pagamentos. Mas também não tínhamos permissão de fumar maconha e muitos fumavam. Também não podíamos usar opioides. Estávamos todos trabalhando em frangalhos. Eu não suporto opioides, mas se eu quisesse, havia uma penca de caras furtando dos banheiros dos clientes. Eu poderia comprar o que precisasse depois de cada reunião da equipe.
Essa é outra coisa que não se fala sobre o vício em opioides. As pessoas estão machucadas porque, a não ser que você seja formado numa universidade, o único jeito de ganhar a vida decentemente é quebrando seu corpo ou arriscando sua vida. Encanadores, eletricistas, caldeireiro, soldadores, mecânicos, técnicos do cabo, operadores de linha, pescadores, lixeiros — a lista não tem fim. São todos considerados trabalho de homem porque exigem certa força física. Quanto maior o risco, maior o holerite.
Mas você não sente isso quando suas costas doem por carregar uma escada de 40 quilos que vira uma vela no vento. Você não acaba promovido pra uma mesa quando seus joelhos ou tornozelos começam a arriar depois de se enfiar por sótãos, debaixo da escrivaninha, arrastando-se em espaços apertados. Ou quando seu cotovelo ainda dói por causa daquela vez que você desconectou uma linha de cabo e seu corpo virou o fio-terra do cabo elétrico, com 220 volts atravessando seu corpo até o solo. Ou quando suas mão tornam-se garras inúteis a 10 metros de altura num poste telefônico e você deixa sua pele congelar no contato metálico.
Assim, você toma algumas pílulas para atravessar o dia, a semana, o ano. Se um analgésico aparece no seu exame anti-drogas, você tem a receita daquela vez em que caiu do telhado. Essa é outra coisa sobre esse ramo: todos exigem exames anti-drogas quando você se machuca. Se você fumar um baseado numa noite, seja por diversão ou por estar dolorido demais pra dormir, a empresa não vai pagar seu atendimento médico quando sua van derrapar numa rampa congelada três semanas mais tarde. Eu escolhi a maconha pra anestesiar meu corpo e minha mente todas as noites, mas era um grande risco.
Provavelmente, eu deveria ter roubado pílulas. Teria compensado o fato de que eu ganhava menos do que todo técnico que eu conhecia. E eles não gostam de falar sobre o pagamento sem motivo. Alguns estavam lá há mais tempo; a maioria, não. Eu era a única mulher na assistência técnica porque… sério, por que caralhos eu estava fazendo aquilo? Porque eu não fui pra faculdade. Alistei-me na Força Aérea e eles me expulsaram por ser gay. Desde então, já trabalhei num bar gay, no Home Depot [cadeia de lojas de material de construção e decoração], no Starbucks, no Lowe’s [outra rede de material de construção e rival do Home Depot], no 7-Eleven [rede de lojas de conveniência], num serviço de uniformes, em construção, como lavadora de cachorros e provavelmente outros 10 trabalhos precários pelo caminho. Até que, como técnica de cabo, me ofereceram alguns dólares a mais, o suficiente apenas para pagar o aluguel.
Meu supervisor não sabia, disse que não sabia dos nossos salários. Mas disse que faria algo a respeito e fez. Ele explicou que o problema era que minhas pontuações eram sempre menores do que as dos caras — todos aqueles pontos que já mencionei. Assim, ao longo dos anos, meus aumentos foram menores. A matemática não era muito eficaz, mas era verdade. Meus números eram sempre menores. Os números eram baseados principalmente em quantos trabalhos eram completados a cada dia. No papel, do jeito que éramos ranqueados, eu era uma empregada terrível. Pouco importava quão boa eu era como técnica, só os pontos valiam. Os pontos, eu percebo agora, são o motivo pelo qual eu passei boa parte dos últimos 10 anos pensando sobre banheiros.
Os caras podem mijar em tapumes de obras, em qualquer área com mato, numa parede escondida pelas portas abertas da van, em garrafas de Gatorade que ficavam nos veículos. Eu não tinha essas opções e não podia pedir à maioria dos clientes. Se eu tivesse que mijar, precisava dirigir até um 7-Eleven ou McDonald’s ou um mercado qualquer, sendo que eles nem sempre têm banheiros abertos ao público. Eu conhecia todos os banheiros limpos da região e conhecia os banheiros com uma só baia porque, pela minha aparência, banheiros públicos também não são seguros pra mim. Mas ninguém planta um 7-Eleven entre as McMansões de Great Falls. Uma paradinha no banheiro e eu já me atrasava.
Os caras podiam ligar por ajuda no serviço, sem problema. Se eu ligasse, alguns nem respondiam. Outros que eu havia chamado antes e levado esporro por não conseguir fazer o que deveriam, também não respondiam. Um me disse que minha buceta era cheirosinha enquanto segurava uma escada pra mim e havia outro que nunca parava de perguntar se eu já havia experimentado um pênis. Para ele, eu precisava disso. Na maioria dos casos, eu gostava de dizer a mim mesma que podia lidar com seus insultos e assédios, mas eu não iria pedir a ajuda deles. Havia vezes em que eu reagendava um trabalho porque não havia ninguém que eu podia chamar por perto — e o reagendamento significava perder mais alguns pontos naquele dia. Meus números, portanto, eram menores do que os dos homens. Eu nunca tive a oportunidade de ser uma empregada realmente boa, não pelos padrões deles. Havia um jeito, claro.
Eu trabalhei com um cara mais velho, veterano feito eu. Eu costumava me dar bem com veteranos e ele não foi exceção. Uma vez, depois de explicar porque lhe pedi ajuda, ele disse que entendia. Segundo ele, os veteranos tinham menos tendência a tratá-lo como merda por ser negro. Aposto que ele já havia trabalhado com um colega negro antes. Faz sentido. Mas quando perguntei como ele mantinha seus pontos, mesmo trabalhando menos que os outros caras, ele disse que encerrava os trabalhos todo dia às 19h e fazia o último serviço de graça. Isso havia elevado sua média, mas eu não estava disposta a trabalhar de graça.
Entretanto, houve um ano em que a empresa fez uma pequena experiência e selecionou um punhado de pessoas de cada equipe, dando a elas as chamadas mais problemáticas, os serviços que vários técnicos não havia conseguido resolver e deu-lhes tempo pra realmente sanar o problema. Tempo era uma coisa importante — e é por isso que não posso lhe precisar em que dia ou semana ou ano certa coisa aconteceu.
Porque em 10 anos como técnica de cabo, não havia tempo. Eu corria entre um serviço e outro, às vezes digitando no laptop e muitas vezes ao telefone com um expedidor, supervisor, cliente ou outro técnico. Tinha que mijar, tentar correr atrás do prejuízo e evitar que o cliente seguinte cancelasse o pedido por atraso ou que o expedidor passasse a chamada para outro técnico, fazendo-me perder pontos. Nos primeiros anos, eu lia um guia de rua para encontrar a casa. Depois, me arrastava pela rua procurando pelo número 70012 quando precisava estar no 70028 porque ninguém naquela rua considerava importante colocar números em suas casas e me diziam pra me virar com os números. Se tivesse mais um mês ruim, estaria demitida. Talvez assim você entenda porque eu evitar cancelar qualquer coisa que não fosse arriscada.
Após alguns anos, passava a maior parte dos dias de folga em recuperação. Ia pra casa e não conseguia terminar de ler uma página num livro sem esquecer o que havia lido. Estava deprimida mas não sabia. Estava cansada demais para pensar porque eu não dormia, porque parei de comer, porque estava tão envergonhada do rumo que minha vida tomou.
Nas noites em que não conseguia dormir, às vezes eu pensava em passar os próximos 10 anos fazendo a mesmíssima coisa todo santo dia até meus joelhos ou tornozelos travarem ou ficar com as costas estouradas. Eu pensei: talvez a melhor coisa que poderia me acontecer seria me lesionar seriamente, mas não seriamente o bastante para esquecer a urina sintética que mantinha em meu isopor; talvez desse pra viver com a pensão dos trabalhadores. Na maioria das manhãs, eu acordava e levava um minuto pra decidir: quero morrer hoje? Acho que posso aguentar mais um dia. Até chegar o dia de folga. Tentei voltar aos estudos por algum tempo mas não deu certo: estava cansada demais pra aprender a programar. Seja como for, eu perdi muitas aulas por ter que trabalhar até tarde.
NAQUELE ANO, porém, ser uma técnica de cabo não foi tão ruim. Eu começava o dia com um par de serviços. De vez em quando me passavam mais um problema no resto do dia. E eu tinha todo o tempo do mundo para resolvê-los. Foi assim que me tornei técnica do Cheney. Meu supervisou ligou: “Olha só a O.S. que acabei de te passar. Você vai me agradecer.” Reconheci o nome — Mary Cheney, filha do ex-vice-presidente. Eu não sei porque deveria agradecê-lo, mas retornei a ligação: “O que caralho você tá fazendo aqui comigo?” Ele achou que eu estaria feliz por serem lésbicas. “Cara, elas são casadas.” Ele ficou mudo. “Dá um google nela e veja se você ainda acha que está me fazendo um favor.”
Ele disse que eu fiquei puta porque eles eram republicanos, mas eu disse estar puta porque Dick Cheney é um criminoso de guerra, porra. Ele me chamou de comunista. E disse que um par de caras já haviam saído dali. “Problemas com a internet, leia as anotações.” Eu não tinha escolha. Mas sem a pressão de concluir 12 serviços por dia, eu percebi que poderia realmente me divertir no trabalho e brincar com meu chefe se atender os Cheney era ou não um favor pra mim porque, veja só, somos lésbicas.
Mary Cheney não estava em casa, o que foi ótimo. Quanto mais longe eu estivesse do Dick, maiores as chances de eu manter meu bico calado. Sua esposa era amigável e conversadeira do jeito que gente velha é amigável e conversadeira por não receber visitas desde o Natal. A casa tinha alguns problemas e eu consertaria um. Ela chamaria meu supervisor e eu voltaria para arrumar o outro. Enfim, arrumei tudo.
Alguns meses mais tarde, meu chefe me liga implorando para eu não matá-lo. Ele estava me mandando pra casa do Dick Cheney — e Dick estava em casa. Ele tinha um secretário ou assistente ou talvez segurança que me seguia por ali enquanto eu checava as conexões a intensidade dos sinais. Já havia encontrado um defeito do lado de fora, mas queria garantir que nunca mais voltaria a por os pés naquela casa. Dick entrou no escritório enquanto eu trabalhava, começou a ler um jornal tirado de uma pilha e me ignorou. Eu informei ao assistente que levaria uma semana mais ou menos. Fiz os pedidos e passei o telefone do meu supervisor. “Você entende que ele é o ex-vice-presidente?”, disse o assistente. Cheney levantou os olhos.
Entrei em pânico e falei a primeira coisa que me passou pela cabeça: “É… bem, pode me aplicar waterboard se isso o faz se sentir melhor, mas ainda vai levar uma semana.”. E saí. [Waterboarding ou afogamento simulado é, segundo a Wikipedia, “uma forma de tortura na qual a pessoa é deitada de costas e imobilizada, com a cabeça inclinada para trás, e água é lançada sobre a face e para dentro das vias respiratórias.”]
Esse foi o último serviço daquele dia. No caminho pra casa fiquei o tempo todo pensando em cem coisas melhores que eu poderia ter dito. Por fim, resolvi ligar pro supervisor e contei que eu poderia ter falado acidentalmente em waterboarding. Ele riu, disse que eu havia ganhado e parou de me mandar pros Cheney. Eu realmente não sei se eles reclamaram de mim. Se o fizeram, nunca me informaram.
Naquele mesmo ano, encontrei um mafioso russo cujo nome realmente era Ivan, o que foi o bastante pra me fazer rir. Havia rumores sobre casas de mafiosos e os colegas diziam que já haviam estado em outras. O cara que me treinou apontou para uma casa em Fairfax dizendo que se eu tivesse que entrar ali, era melhor não reparar em nada. Quando o pressionei por detalhes, ele não disse nada e eu achei que ele estava blefando.
A casa do mafioso russo ficava perto da Waples Mill Road e era uma McMansão monumental, que parecia um Olive Garden [restaurante de comida italiana] inchado. Estacionei a van atrás de uma fila de Hummers. Ivan era um garotão com orelhas de batata e me esperava à porta. Disse-me para segui-lo e eu fui atrás dele até um escritório. Vi a mesma coleção de livros com capa de couro que encontrei nas prateleiras da maioria das McMansões. Acho que já estive aqui. O modem ficava num armário pequeno e, pelo sinal, parecia que havia um splitter com defeito em algum lugar (lembra do que falei sobre splitters baratos?). Informei Ivan de que o problema deveria ser esse e que era preciso checar o porão. “Isso não é possível”, respondeu ele.
Então eu disse que não poderia fazer o conserto. Ele não disse nada e não ficou claro pra mim se havia uma barreira linguística entre nós, o que me fez dizer: “Sem porão, sem internet.” Ele pareceu aborrecido, ficava olhando pra porta e olhando pra mim. Era como um cachorrinho tentando decidir onde fazer pipi — só que era um cachorrinho enorme e coberto de tatuagens. Disse pra ele: “Olha, a não ser que você tenha uma criança numa gaiola eu não ligo pra porra nenhuma.”
Ele assentiu dizendo: “Você fica. Estou te pedindo.” Esclareci que ficaria mesmo. Ouvi-o descer e escutei palavras adulteradas, russas. Um par de portas foi aberto e fechado. Ivan voltou e abriu sua patona pra me mostrar um saquinho de um grama de cocaína. Solícito, ele havia trazido uma colher de caviar e disse que eu devia provar. Eu ri, de verdade. Ele pareceu triste com minha risada. Expliquei: “Olha, eu não posso, estou trabalhando. No entanto, vou levar pra casa, pra hoje à noite.” Aquele era um dos primeiros serviços do dia e eu não queria saber como seria subir num poste telefônico chapada de cocaína.
Ele insistiu: “Não, você deve provar” — agora enfatizava a palavra “deve”. Respondi dizendo ter sinusite (o que é verdade e extremamente irritante). Ele não entendeu e, entre mímicas, expliquei uma sinusite com termos como “nariz, coca, ruim, respiração.” Isso o deixou contente pois era algo que ele podia resolver. “Fique aqui.” Agora eu era a cachorrinha.
Ao voltar com um espelhinho redondo, ele disse: “Isso é melhor. Sem cortes.” Eu só fiquei ali parada e realmente não sabia o que fazer. Eu esperava que isso fosse alguma esquisitice da máfia, como aquela história de que todo russo que você encontra te força a beber doses de vodka e depois vocês viram amigos. Mas eu não fico legal com vodka e muito menos com coca. As drogas me prejudicam.
Ele deu um passinho à frente e parecia ainda mais velho e triste quando disse: “Tô tentando dizer: é seguro pra você se provar. Se não provar, talvez não seja seguro pra você.” Eu percebi que o trabalho dele provavelmente seria me matar e me senti sinceramente assustada com isso. Tomei um pino. Ele ficou visivelmente aliviado, com um sorriso tonto e assimétrico: “OK, sim, você fez uma decisão inteligente.”. Então ele me levou ao porão. Acho que meu ataque cardíaco começou na escada. Mas foi bom, foi o melhor ataque cardíaco que já tive e eu podia ouvir meu coração. Não imaginava que meus olhos pudesse se abrir tanto, só que isso não me ajudava.
Eles tinham um monte de caça-níqueis enfileirados até uma mesa. Sem internet, os caras estavam jogados num conjunto de sofá assistindo um jogo de futebol — era a Copa do Mundo. Um dos caras apontou pra mim e perguntou alguma coisa pro Ivan. “Sim, claro”, foi o que ele respondeu e o máximo de russo que entendi. O sujeito me deu um sinal de positivo e disse “Bele merda, né?” e eu concordei. Daí troquei o splitter deles e saí voando dali.
Depois disso, tivemos um novo gerente regional, que me chamava de “mocinha”. Pedi que ele não o fizesse. Após sair da sala, meu companheiro veterano disse que ele podia me chamar de sapatão. A empresa estava no vermelho com essa história de que “ninguém mais precisa de cabo pra porra nenhuma.” Eu voltei a caçar meus pontos, até que meu calcanhar se torceu.
Eu lembro do meu último dia. Houve uma grande reunião, o que eu detesto. A única coisa potencialmente boa era que eles tocariam mensagens de agradecimento de clientes felizes com seus técnicos de cabo. Se você recebia uma, ganhava um vale-presente do Best Buy de 20 dólares. Tive um monte de chamadas, a maioria de velhinhas que gostavam de mim por ajudá-las com o controle-remoto. Só que nunca tocaram minhas mensagens nas reuniões porque ninguém sabia o que fazer com os clientes pensando que eu era um “rapazinho muito bom.” Na última reunião, o prêmio foi pr’um cara que passou 10 anos sem faltar pra nada, nem por doença nem por férias. Ele tinha quatro crianças e eu acho que elas adorariam umas férias. Mas é justamente por pensar assim que não fui promovida naquela empresa.
Não pude voltar depois da cirurgia e o calcanhar nunca ficou inteiramente curado. Precisava de um ofício do RH pra comprovar minha deficiência. Ou então um telefonema. Mas eles mudaram o setor de RH pra algum lugar distante e nunca responderam meus e-mails. Agora, trabalho num bar gay. O salário é uma merda, mas eu gosto de ir trabalhar. Não passo mais as noites preocupado com onde vou ter que mijar — e faz anos que ninguém me chama de Larry.
LAUREN HOUGH nasceu em Berlim e foi criada em sete países, inclusive o Texas. Ela já foi pilota da Força Aérea, barista de avental verde, bartender, entregadora de uniformes e, durante um tempo, técnica de cabo. Ela vive em Austin, Texas e seus escritos já apareceram na ‘Granta’, ‘Wrath Bearing Tree’ e ‘The Guardian’. O presente ensaio memorialístico foi publicado originalmente pelo ‘Huff Post’ em 30/12/2018.