O sadismo dos trolls está cientificamente provado
Num estudo de 2014, pesquisadores analisaram as características dos comentaristas mais barulhentos das redes e confirmaram uma velha suspeita: eles são psicopatas.
Por Chris Mooney, no Grist (Fevereiro de 2014).
Tradução de Renato Pincelli.
Nos últimos tempos, a ciência da “trolologia” tem feito grandes avanços. No ano passado, por exemplo, aprendemos que ao lançar insultos e incitar discórdia nas caixas de comentário, os chamados trolls da internet (que costumam ser anônimos) têm um efeito polarizante nas audiências, levando à politização em vez de compreensão de temas científicos.
Isso já é ruim, mas não tanto quanto o que uma nova pesquisa de psicologia tem a dizer sobre as personalidades desses trolls [vide referência no fim do texto]. Conduzida pela cientista Erin Buckels, da Universidade de Manitoba [Canadá] e dois colegas, a pesquisa buscou investigar diretamente se as pessoas envolvidas na trolagem são caracterizadas por traços de personalidade que formam a chamada “Quadra Sombria”: maquiavelismo (disposição a manipular e enganar os demais), narcisismo (egoísmo e auto-obsessão), psicopatia (ausência de culpa e empatia) e sadismo (prazer no sofrimento alheio).
É difícil ignorar os resultados. O estudo encontrou correlações, algumas bastante significativas, entre essas características e o comportamento troll. Mais do que isso: também descobriu uma relação entre todos os traços da Quadra Sombria (menos o narcisismo) e o tempo que um indivíduo passa, a cada dia, comentando na internet.
Os trolls foram identificados pelos pesquisadores de várias maneiras. Uma era simplesmente perguntar aos participantes do levantamento o que eles “mais gostavam de fazer” ao comentar em sites, oferecendo cinco alternativas: “debater problemas que te parecem importantes”; “bater-papo com os outros”; “fazer novos amigos”; “trolar os outros” e “outra coisa”. Eis como as diferentes respostas a essas preferências se alinham com as respostas às questões feitas para identificar os traços da Quadra Sombria:

Em resumo, só 5,6% dos entrevistados responderam especificamente que gostam de trolagem. Por outro lado, 41,3% dos usuários das redes eram “não-comentaristas”, o que significa que eles nunca se engajam nesse tipo de atividade. Assim, como há muito se suspeitava, os trolls são uma minoria dos comentaristas online — e uma minoria ainda menor dos usuários de internet em geral.
Os pesquisadores conduziram diversos estudos, usando amostras tanto do Amazon’s Mechanical Turk quanto de estudantes universitários para tentar entender porque o ato de trolar atrai gente com esse tipo de personalidade [1]. Eles até criaram uma ferramenta de pesquisa própria, apelidada de Global Assessment of Internet Trolling ou GAIT [Análise Global de Trolagem na Internet; gait é palavra inglesa que significa modo de andar, de caminhar], que conta com os seguintes itens:
Mandei pessoas [para]chocar os websites pelo lulz [lulz é forma deturpada de LOL, uma abreviação de risos]
Gosto de trolar pessoas nos fóruns ou seções de comentários nos sites
Curto aborrecer outros jogadores em jogos de múltiplos jogadores
Quanto mais bela e pura a coisa é, mais satisfatória é sua corrupção
Sim, algumas pessoas realmente disseram concordar com tais afirmações. Mais uma vez, essa concordância foi correlacionada com o sadismo em suas várias formas, com a psicopatia e com o maquiavelismo. Em geral, os autores descobriram que a relação entre sadismo e trolagem era a mais intensa e que, de fato, os sadistas parecem gostar de trolar porque consideram isso agradável. “Tanto trolls quanto sadistas sentem uma alegria sádica com o sofrimento alheio”, escreveram os pesquisadores. “Os sadistas querem se divertir — e a internet é seu parquinho!”
O estudo chega enquanto os sites, especialmente os de grande mídias, estão buscando providências para controlar o comportamento troll. No ano passado a Popular Science removeu completamente sua seção de comentários, citando pesquisa sobre os efeitos nocivos da trolagem e o YouTube também tem tomado medidas para moderar a trolagem.
Entretanto, para a autora principal deste estudo, Erin Buckles, da Universidade de Manitoba, não há certeza de que tal correção seja realista. “Como os comportamentos são intrinsecamente motivadores para os sadistas,” — escreveu ela por email — “os moderadores de comentário vão provavelmente ter dificuldades em barrar a trolagem com punições (como o banimento de usuários)”. Buckles conclui que o apelo da trolagem pode ser “forte demais para os sadistas, que possivelmente têm oportunidades limitadas de expressar seus interesses sádicos de maneira socialmente desejável”. [2]
Referência
BUCKLES, Erin et. al. Trolls just want to have fun [Trolls só querem se divertir]. Personality and Individual Differences, vol. 67, set/2014, pp. 97–102. https://doi.org/10.1016/j.paid.2014.01.016
Notas do Tradutor
[1] o Mechanical Turk, da Amazon, é uma plataforma de “crowdsourcing” que permite desde a “simples validação de dados a tarefas mais subjetivas como a participação em questionários e moderação de conteúdo”. Mais usado para pesquisas de mercado, esse sistema também parece compatível com pesquisas acadêmicas.
[2] Conforme previsto por Erin Buckles, o apelo da trolagem não deixou de existir desde a época da pesquisa. Os trolls banidos de uma plataforma costumam se reunir em outras, tornando a moderação desse tipo de conteúdo ainda mais difícil — isso quando eles não criam sistemas próprios, sem qualquer tipo de moderação (fóruns tipo 4chan, por exemplo). Ao contrário do que pode parecer, hoje os trolls não se escondem apenas nos porões da deep web, mas usam principalmente as redes sociais (especialmente Facebook e Twitter), que têm se mostrado mais refratárias à ideia de bloquear conteúdos socialmente inadequados.
CHRIS MOONEY é jornalista especializado na cobertura de ciência e política no “Grist”, portal fundado em 1999 e dedicado às notícias sobre as mudanças climáticas e suas consequências sociais e políticas. Mooney também é um dos criadores do “Climate Desk”, observatório da imprensa americana sobre o noticiário científico e climático. Este artigo sobre o comportamento troll foi publicado originalmente no “Grist” em 16/02/2014.