Os ‘Boomers’ arruinaram tudo
Nos EUA, os excessos cometidos pelos nascidos entre 1945 e 1964 estão esmagando as gerações mais jovens
Por Lyman Stone, na Atlantic. Tradução de Renato Pincelli.
OS BABY BOOMERS arruinaram os Estados Unidos. Pode parecer uma hipérbole, mas é um jeito de resumir o que encontrei ao tentar resolver um enigma. A sociedade americana está passando por um estranho conjunto de mudanças, mas mesmo que os valores culturais estejam fluindo rapidamente, as instituições políticas parecem paradas no tempo. As constituições estaduais dos EUA têm, em média, mais de 100 anos. Estamos no terceiro período mais longo sem uma emenda constitucional na História americana — o período mais longo do tipo terminou na Guerra Civil [1860–65]. Então quem é o responsável por esse envelhecimento institucional?
Uma possibilidade simples é que os americanos estão ficando mais velhos. Em 2000, o americano médio tinha 32 anos de idade; em 2018 a idade média estava em 37 anos. A fração da população aposentada explode, enquanto as taxas de natalidade despencam. Quando uma sociedade envelhece, suas políticas mudam. Os eleitores mais velhos têm interesses distintos dos mais jovens: os cortes em aposentadorias parecem mais assustadores do que problemas de longo prazo, como o excessivo endividamento estudantil, as mudanças climáticas e as baixas taxas de natalidade, que tendem a ser ignorados.
Mas não é só o envelhecimento. Em diferentes áreas, a geração Baby Boomer tem criado, aperfeiçoado ou preservado políticas que tornam as instituições americanas menos dinâmicas. Num relatório recente para o American Enterprise Institute [Instituto de Empreendedorismo Americano], observei problemas como habitação, regras de emprego, educação superior, execução penal e orçamento público. Descobri um padrão consistente: a ascensão política dos Boomers trouxe um aperto no controle e na regulação, dificultando a vida de quem quer ser bem-sucedido nos EUA. Essa falta de dinamismo praticamente não afetou os Boomers, mas os erros do passado estão se acumulando numa crise para os americanos mais jovens.
OS CÓDIGOS de zoneamento nos EUA têm raízes no começo do século XX, quando as regras para uso do solo surgiram de esforços para administrar uma crescente densidade urbana resultante da industrialização e de novas tecnologias de construção, que permitiam edifícios mais elevados. Mas a maioria dos zoneamentos tinha o objetivo de proteger os valores imobiliários dos proprietários ou de excluir certos grupos raciais. Ainda assim, por décadas, o alcance dos códigos de zoneamento eram relativamente limitados.
Em muitos lugares, regras de zoneamento mais restritas começaram a ser implantadas nos anos 1940 e 1950, com o início da suburbanização — mas a situação ficou pior entre os anos 1960 e 1980. Essa mudança reflete-se na crescente frequência de vários termos associados ao zoneamento encontrados no n-gram, o banco de dados do Google com publicações em inglês americano. Durante aquele [último] período, em que o poder político da geração Baby Boomer estava crescendo rapidamente, observa-se uma escalada aguda em regras de uso do solo.

Existem debates sobre os motivos para isso. Alguns pesquisadores dizem que o fim da segregação formal teria forçado alguns eleitores a buscar métodos informais de aplicar a segregação. Outros sugerem que uma mudança nos retornos financeiros de diferentes tipos de investimento fez os rentistas imobiliários ficarem mais cautelosos com seus valores de ativos [i.e., dos imóveis].
Hoje, as restrições de zoneamento — enquadradas como regras sobre estacionamento, áreas verdes, limites de altura, estética ou preservação histórica — dificultam fazer novas construções. Mesmo que a população americana tenha dobrado desde os anos 1940, está cada vez mais desafiador construir casas legalmente. O resultado é que os americanos mais jovens não têm acesso a moradias adequadas. E como eu já ressaltei anteriormente, quando os jovens têm que alugar ou morar em zonas mais densas, eles tendem a adiar eventos marcantes da vida adulta, como o casamento e a geração de filhos.
Os Boomers não fizeram apenas as regras que empurram os jovens para fora da casa própria: eles também fizeram regras que restringem a empregabilidade dos mais novos. Nas últimas décadas, multiplicaram-se leis que exigem dos empregados licenças, graduações ou certificados para poder trabalhar. Embora parte dessa tendência viesse desde antes dos Boomers serem politicamente ativos eles a impulsionaram em vez de revertê-la.


Da mesma forma que as regras de zoneamento rigorosas existem para enriquecer os proprietários de imóveis já existentes ao reduzir a quantidade de novas casas disponíveis no mercado, restrições de emprego tornam os trabalhadores já empregados mais ricos por reduzir a competição em seus setores. Embora alguns ramos claramente necessitem de regras de licenciamento por motivos de saúde e segurança, a maior parte do crescimento nas exigências se deu em campos onde essas justificativas são menos urgentes. Será que alguém realmente precisa de horas e horas de cursos e exames específicos para ser um florista, decorador ou leiloeiro?
Ao privilegiar os que já estão empregados, as exigências de formação aumentam a desigualdade. Especificamente, isso acontece porque a renda é desviada para os trabalhadores mais velhos. Quando as exigências de emprego excluem os condenados judicialmente, também têm um impacto desproporcional sobre as minorias. Os mais jovens, especialmente dos de minorias, estão passando a ser legalmente proibidos de trabalhar.
Novamente, os estudiosos divergem nas explicações dos motivos por trás da proliferação de exigências de formação. Pode ser que o trabalho tenha se tornado mais complexo. Ou pode ser que o declínio dos sindicatos tenha levado a novas formas de manter restrições ocupacionais. A crescente integração entre raças e gêneros nos ambientes de trabalho também pode ter resultando no surgimento de novas formas de impor a hierarquia.
Mas mesmo para os trabalhadores que não precisam de licença formal, as barreiras para trabalhar cresceram com o tempo. Serviços que antes requeriam um diploma de ensino médio agora exigem formação universitária. Essa escalada de credenciais levou a uma espécie de corrida armamentista educacional. Novamente, o crescimento das exigência de diploma de ensino superior não começou com os Boomers. Foi a GI Bill [lei que garantia ensino universitário aos que se alistaram no Exército a partir da II Guerra] e a subsequente explosão na autorização de cursos universitários que fez da educação superior a nova norma para muitos trabalhos. Com a maior disponibilidade do ensino universitário, os empregadores, geralmente mais velhos, passaram a exigir diplomas e licenças.

Ao mesmo tempo, enquanto a educação superior tornava-se mais cara, o retorno econômico de obter um diploma manteve-se estagnado. Em geral, as pessoas mais educadas ganham mais do que as menos educadas, mas os grupos mais estudados estão na corda bamba. A norma social que exige diplomas para praticamente todo trabalho de classe média foi inventada e aplicada em grande parte pelos Boomers e seus pais.
Como acontece com as demais regras, existem explicações sobre o aumento na exigência de diplomas: cresceu o apoio público à educação, a economia tornou-se mais complexa, há uma demanda crescente de trabalhadores com boa formação. Tudo isso pode ter alguma validade. Mas o verdadeiro mecanismo por trás dessa norma é geracional: são os empregadores mais velhos que fixam as exigências feitas aos jovens em busca de emprego.
Quaisquer que sejam os fatores específicos que contribuíram para a proliferação de diplomas, as regras de empregabilidade e as leis de zoneamento, esses fenômenos são parte de uma tendência social mais ampla, de aumento no controle e regulação de todos os aspectos da vida. [N. do T.: todos, menos a regulação do mercado financeiro, que vem sendo demolida justamente pelo neoliberalismo dos Baby Boomers]
Independente das mudanças na segregação formal, na sindicalização, na necessidade de formação dos trabalhadores, nos retornos de investimentos com base em imóveis ou nas outras explicações sobre a crescente regulação do trabalho e da moradia, o que é notável é a simultaneidade com que essas tendências ocorreram. Um gráfico pode demonstrar o aumento na papelada necessária para abrir um negócio, no comprimento dos questionários do censo ou do código [tributário] federal ou de virtualmente qualquer medida de complexidade administrativa ou regulatória: o resultado seria o mesmo. Explicações específicas de cada setor parecem suspeitas quanto a tendência é tão generalizada.
O EXEMPLO mais gritante dessa explosão de regulação e controle é também o mais fácil de ligar aos Baby Boomers: o incrível aumento nos índices de encarceramento. Mesmo que as taxas de assassinato de hoje estejam nos mesmos níveis dos anos 1950, a parcela aprisionada da população é maior nos EUA do que em qualquer outro país, com exceção da Coreia do Norte. Isso significa que prendemos uma porcentagem maior da população do que países autoritários como o Turcomenistão e a China.

Essa disparada de prisões tem uma origem bem clara na onda de criminalidade dos anos 1960 e 1970. Pesquisas acadêmicas indicam que prender mais criminosos reduz a criminalidade (até certo ponto). Assim, como nos demais exemplos que citei, essa resposta foi compreensível.
Entretanto, muitos países também passaram por uma onda similar de violência e a maioria viu o crime declinar nos anos 1990, sem pesar muito no encarceramento. Além disso, as pesquisas também mostram que os padrões de aprisionamento nos EUA são pesadamente influenciados pela raça, com taxas de detenção que nem sempre refletem os verdadeiros índices de criminalidade.
Hoje, embora o ritmo de encarceramento tenha diminuído um pouco, ainda permanece estonteantemente elevado. Enquanto os americanos jovens são excluídos dos sistemas econômico e de habitação pelas regras determinadas pelas gerações anteriores, uma boa parcela deles — especialmente em comunidades minoritárias — acaba literalmente atrás das grades. Os que permanecem livres acabam desprovidos de familiares, amigos e potenciais colegas de trabalho. E comunidades inteiras, por força de lei, acabam por ficar sem trabalhadores em potencial.
É compreensível que, diante de uma onda de crimes, os Baby Boomers tenha escolhido responder com uma política linha-dura. Mas a escala dessa reação foi desproporcional. A ânsia de solucionar um mal social com controle, com regras e procedimentos extras, com o poder estatal, tem sido uma decisão política típica dos americanos pós-guerra, especialmente a partir dos anos 1970. Quaisquer que sejam os argumentos específicos para uma resposta controladoras ao crime, esse tipo de reação espalhou seus tentáculos sobre todo grande problema enfrentado pelos Baby Boomers: habitação, emprego, educação, crime e, é claro, endividamento. [N do T.: mais uma vez, é válido ressaltar que essa sanha policialesca perpassa a sociedade americana mas deixa intocadas as elites financeiras e impunes os crimes cometidos pelo mercado]
Quando não estão livres da prisão, os jovens americanos de hoje estão aprisionados por dívidas — às vezes, suas próprias dívidas, na forma de financiamentos universitários cada vez mais caros ou faturas de cartão de crédito. Numa escala maior, o problema dos direitos sociais, como pensões, aposentadorias, Medicare [seguro-saúde dos mais pobres, bancado pelo governo federal] e dívidas públicas nas esferas local, estadual e federal estão se tornando cada vez mais graves. Em lugares como Detroit e Porto Rico, onde as regras políticas dificultam soluções flexíveis e a população está envelhecendo rapidamente, cresce a pressão pela reestruturação das dívidas gigantes. Ao redor do país, essa pressão para cumprir obrigações de longo prazo tende a aumentar.
A seguir, eu apresento uma projeção razoável do porcentual da renda nacional que será gasto para pagar essas obrigações no futuro se não houver uma reestruturação substancial dessas pendências. Ela baseia-se em previsões consensuais de grupos como Congressional Budget Office e o Office of Management and Budget [órgãos orçamentários ligados ao Congresso e ao Executivo dos EUA]. Variáveis como o sistema de seguridade social e o Medicare são levadas em conta quando os dados são disponíveis — em alguns casos, como o de pensões e dívidas estaduais, não há previsões disponíveis, o que me fez desenvolver uma extrapolação simples.

Cumprir esses pagamentos vai exigir austeridade fiscal, seja na forma de elevação de impostos ou de cortes de gastos. Os americanos mais jovens vão pagar as contas da geração Baby Boomer, seja com um salário líquido menor seja com escolas e estradas caindo aos pedaços. Além disso, o balanço demográfico tende a piorar, aumentando a carga relativa sobre os jovens. Os americanos em idade economicamente ativa estão morrendo em índices alarmantes.

As chances de alguém morrer aos 32 anos cresceram 24% nos últimos cinco anos, em comparação com uma taxa de mortalidade estável para os americanos mais velhos. Os Baby Boomers vivem mais tempo mesmo que os trabalhadores que pagam suas pensões estejam morrendo por epidemias de overdose, suicídio, acidentes de trânsito e violência. Embora esse aumento súbito na mortalidade dos economicamente ativos seja uma preocupação nova, o desequilíbrio fiscal de longo prazo tem sido óbvio há décadas. Em praticamente todo o período de dominância política dos Boomers, é público e notório que os problemas das obrigações de longo prazo precisa ser corrigido, mas a correção não foi feita. Os americanos jovens vão sofrer as consequências.
Por mais sombrio que tudo pareça, existe motivo para esperança. Se o problema está no excesso de regras insensatas, a solução se torna evidente: padrões de licenciamento restritivos podem ser revogados. Áreas mínimas de cada terreno podem ser reduzidas, limites à altura de edifícios podem ser elevados, detentos não-violentos podem ter suas penas comutadas. Mesmo questões mais espinhosas, como o controle dos custos universitários, podem ser resolvidos por tetos de gastos não-educacionais. As soluções para as dívidas e obrigações governamentais são bem conhecidas, ainda que sejam politicamente impalatáveis.
Nem todos esses problemas foram gerados pelos Boomers, mas cada um deles foi agravado sob sua predominância. Se os líderes na política, na educação e na economia quiserem resolver esses problemas, eles podem. Se a gerontocracia que se instalou no poder deseja ter soluções são outros quinhentos.
LYMAN STONE é pesquisador-adjunto no American Enterprise Institute e pesquisador no Institute for Family Studies. Ex-economista internacional do Departamento de Agricultura dos EUA (onde lidava com as condições do mercado de algodão), Stone escreve sobre migração, dinâmicas populacionais e economias regionais em seu blog, ‘In a State of Migration’. Ele também contribui regularmente para a coluna Big Idea, do ‘Vox’, e no ‘The Federalist’, além de publicar artigos no ‘The New York Times’, ‘Washington Post’ e no ‘Wall Street Journal’. O presente artigo sobre a influência sócio-econômica dos Boomers na sociedade americana foi publicado pela ‘Atlantic’ em 24/06/2019.