Sob um Céu de Incertezas
Considerado o maior cientista no período entre Galileu e Newton, Christiaan Huygens foi um dos primeiros a propor seriamente a possibilidade de vida extraterrestre
Por Hugh Aldersey-Williams na Public Domain Review (Out/2020). Tradução de Renato Pincelli.
QUANDO AS COISAS FICAM feias neste mundo, parece natural voltar os olhos para as condições de outros mundos. Foi isso que o astrônomo holandês Christiaan Huygens [1629–1695] fez no final do séc. XVII. Na época, ele estava isolado na cidade provinciana de Haia e vivia adoentado por febres e depressões, sentindo falta da companhia do irmão, Constantijn, que estava no exterior — servindo como secretário de William III [1650–1702], o rei holandês da Inglaterra.
Foi então que Huygens começou a escrever Cosmotheoros, um livro em que especula sobre a possibilidade de vida em outros planetas e a primeira obra do tipo a ser baseada no conhecimento científico recente e não em conjecturas filosóficas ou argumentos religiosos. Temendo a censura “daqueles cuja Ignorância ou Zelo sejam grandes demais”, Huygens orientou o irmão a publicar essa obra somente após sua morte, o que foi feito em 1698. Originalmente escrito em Latim, Cosmotheoros foi rapidamente traduzido para o Holandês e outras línguas. Uma tradução em Inglês apareceu no mesmo ano, com o audacioso título The Celestial Worlds Discover’d [A Descoberta dos Mundos Celestiais; uma versão online da edição inglesa pode ser lida aqui].
É claro que os filósofos sempre consideraram a existência de vida além da Terra. Aristóteles descartou a ideia por acreditar que a Terra era única e que todos os outros corpos celestes eram objetos puramente geométricos. Mas os atomistas, como Demócrito e Epicuro, aceitaram a noção da pluralidade de mundos, com base numa analogia com as partículas de matéria de vários tipos e os espaços entre elas. Pensadores medievais continuaram o debate mas não fizeram muito para avançá-lo.
A descoberta de que existiam ainda mais corpos no Sistema Solar do que os que eram conhecidos desde a antiguidade — a partir da descoberta das quatro luas de Júpiter por Galileu, em 1610 — acrescentou uma nova e inesperada camada à discussão. Quando Huygens descobriu o primeiro satélite de outro planeta — Saturno, em 1655 — o equilíbrio dos argumentos mudou mais uma vez.
Huygens ganhou fama nos anos 1650 pela descoberta desse primeiro satélite de Saturno (que seria batizado de Titã) e pelo anel do planeta (mais tarde identificado como um sistema de anéis), além de ser o criador do primeiro relógio de pêndulo preciso. Ele também inventou vários aparelhos, como uma “lanterna mágica”, espécie de projetor de slides primitivo e fez importantes contribuições à Matemática, especialmente nos campos da Geometria e Probabilidade, introduzindo fórmulas matemáticas para expressar as relações entre grandezas como velocidade e massa nos problemas de Física. Todas essas realizações o tornam o maior cientista no período entre Galileu e Newton.
Christiaan Huygens foi precoce em sua fascinação com o mundo físico. Na infância, fazia pequenas máquinas e divertia-se com a solução de enigmas matemáticos — tanto que as pessoas passaram a chamá-lo de “Arquimedes Holandês”. Ele rejeitou uma vida de cortesão e diplomata, buscada pelo seu pai e seus irmãos, e logo destacou-se na Física, na Matemática e na Astronomia. Depois de revolucionar Saturno e os relógios, ele fez experimentos que o levaram à conclusão de que todo movimento é apenas relativo (o que lhe daria a admiração posterior de Einstein). No fim dos anos 1670, propôs uma teoria ondulatória da luz, que estava substancialmente correta mas foi negligenciada por quase 150 anos antes de poder ser comprovada experimentalmente.
Diferente de alguns contemporâneos ilustres, ele manteve um foco sistemático sobre os problemas que escolhia e reconheceu a importância conjunta dos aspectos práticos e teóricos, entusiasmando-se quando ambos se reforçavam mutuamente, como aconteceu em seu aperfeiçoamento do pêndulo. Como muitos filósofos naturais do século XVII, ele trabalhou numa gama de problemas que seria desesperadamente ampla para um especialista moderno. Entretanto, ele não se desviou — como Newton — nos caminhos da alquimia, ocultismo ou religião.
Huygens eram um internacionalista de verdade. Ele buscou aperfeiçoar seus relógios de pêndulo com o objetivo de que fossem capazes de calcular a longitude no mar, em colaboração com inventores escoceses. Trocava ideias sobre a bomba de ar usada para investigar as propriedades do vácuo com o irlandês Robert Boyle [1627–91]. E se meteu numa disputa feia com o inglês Robert Hooke [1635–1703] sobre a invenção da mola de balanço usada para regular o funcionamento de relógios portáteis. Huygens comparava projetos de telescópio e observações de planetas com o polonês Johannes Hevelius [1611–87] e o italiano Giovanni Domenico Cassini [1625–1712], entre outros. Também foi tutor de matemática de um jovem filósofo alemão, Gottfried Leibniz [1646–1716] (que logo ultrapassaria o mestre ao inventar o Cálculo).
Em 1663, Huygens tornou-se o primeiro estrangeiro a ser eleito para a Royal Society [a Academia de Ciências do Reino Unido]. Mais importante: ele foi, na mesma época, instrumental para o estabelecimento da Academia de Ciências Francesa. Isso o fez ser, segundo um biógrafo, “o líder reconhecido da ciência europeia”.
A descoberta do anel de Saturno, em 1656, exigiu de Huygens anos de observação paciente do planeta, usando um telescópio de projeto próprio (para o qual Christiaan e seu irmão poliram sozinhos as lentes). Naquele momento, a forma aparente do planeta se modificava, levando a muitas interpretações de sua forma. Foi a óptica poderosa de Huygens, combinada ao seu senso de espaço baseado em matemática, que o levou à interpretação correta.
Suas primeiras especulações sobre a vida em outros planetas datam desse período. Ao escrever sobre o anel em seu tratado sobre Saturno, ele acrescentou discretamente uma linha se perguntando sobre “os efeitos que o anel que o cerca [i.e., ao redor de Saturno] deve ter sobre aqueles que habitam [o planeta]”. Mais tarde, em cartas de recordações trocadas com o irmão, parece que Christiaan discutia esse assunto com Constantijn enquanto eles trabalhavam juntos no telescópio. Esses pensamentos levariam quarenta anos para aparecer impressos.
Naquele momento, Cassini já havia descoberto quatro luas em Saturno, além da Titã de Huygens e as quatro “estrelas mediceanas” que Galileu havia detectado em órbita ao redor de Júpiter em 1610. O Sistema Solar estava começando a parecer bem diferente do que era compreendido pelos antigos gregos ou mesmo por astrônomos de uma ou duas gerações antecedentes, como Galileu ou Johannes Kepler.
Embora os atomistas tivessem antecipado a existência de uma pluralidade de mundos, dentro e talvez até além do Sistema Solar, eles estavam divididos quanto à aparência desses outros mundos. Eles aceitavam que alguns poderiam ser habitados por criaturas diversas, enquanto outros seria desprovidos de água ou vida. Pitágoras, por exemplo, acreditava que a Lua seria habitada por animais e plantas maiores e mais belos que os da Terra, ao passo que outros insistiam que era um mundo desértico.
Os estudiosos medievais sentiram-se impelidos a considerar essas questões no contexto da criação divina. Em 1318–19, Guilherme de Ockham [1285–1347] deu palestras em Oxford nas quais afirmava sua crença de que “Deus poderia fazer outro mundo melhor do que este e distinto dele em espécies”. Mas suas ideias atiçaram tamanha oposição que ele não recebeu seu diploma. Um século mais tarde, Nicolau de Cusa [1401–64] foi além ao supor que pelo menos algumas das espécies extraterrestres em algum lugar seriam superiores ao humanos — mas, independente disso, todas deviam sua origem a “Deus, que é o centro e a circunferência de todas as regiões estelares”.
Depois vieram duas grandes revelações, tão vastas em suas implicações que levaram mais de um século para ser processadas. Ambas deram um novo estímulo às especulações no século XVI. A primeira foi a teoria heliocêntrica do Sistema Solar, de Copérnico, que rebaixou a Terra a um status idêntico ao de qualquer dos outros planetas. A segunda foi a América descoberta pelos europeus, que amplificou suas ideias de diversidade de espécies que poderiam ser encontradas em novos mundos. Essas reviravoltas conceituais liberaram uma nova onda popular de literatura imaginativa sobre a vida em outros planetas — uma onda que já não dependia nem das ortodoxias escolásticas nem das observações astronômicas minuciosas.
O advento do telescópio deu maior nitidez a essas conjecturas. A descoberta de que a Lua não era uma esfera perfeita mas cravada por montanhas como as da Terra encorajou, por exemplo, o clérigo John Wilkins [1614–72]. No livro The Discovery of a World in the Moone [A Descoberta de um Mundo na Lua] (1638), ele supôs que ali também existiriam habitantes.
Com base em observações similares, o próprio Kepler também acreditava que todos os tipos de corpos celestes — planetas, luas e até sóis — poderiam ter habitantes. Ele deu um passo além em relação aos seus antecessores quando usou seu conhecimento das leis físicas (presumindo que elas operem universalmente) para propor a forma que tais seres teriam. Os habitantes da Lua, teriam “de longe um corpo bem maior que o nosso e uma maior dureza de temperamento”, escreveu Kepler, considerando os extremos de temperatura e a duração dos dias.
Em Somnium (i.e., O Sonho), um protótipo de ficção científica, o protagonista de Kepler é sequestrado por demônios e levado à Lua. Aqui, Kepler aprofunda-se quanto à natureza dos habitantes lunares, dividindo-os em dois grupos, segundo sua localização no lado escuro ou iluminado do satélite. Os deste lado, naturalmente, veriam a Terra como sua lua e Kepler deu uma impressão cientificamente informada da aparência que a Terra teria vista de seu satélite. Somnium, porém, não é uma boa leitura porque se preocupa demais com coisas como a comparação de períodos orbitais e outras variáveis astronômicas entre dois corpos celestiais.
Para Huygens, o principal chamado à ação veio provavelmente de outro livro, do escritor Bernard le Bovier de Fontenelle [1657–1757], publicado em 1686. Entretiens sur la pluralité des mondes [Diálogos sobre a pluralidade dos mundos] fez tremendo sucesso por adotar a forma de um bate-papo entre uma marquesa ingênua e um filósofo sábio. Escrito num francês simples, acessível a qualquer um sem conhecimentos científicos (especialmente para as mulheres), o livro oferecia um panorama das teorias astronômicas da época, além de vislumbrar a vida na Lua, nos planetas e nas estrelas além do nosso Sistema Solar.
Apesar de não ter a concepção tão artística quanto a obra de Fontenelle, Cosmotheoros está no mesmo nível em termos literários e ainda é, segundo o divulgador científico Philip Ball, a “primeira tentativa de montar um rigoroso caso a favor da vida em outros mundos sem colocar em risco as Escrituras”. A seriedade de Huygens é evidenciada pelo fato de ele considerar o livro como apenas um volume dentro de uma série de “livros dos planetas”, jamais realizada. Ele escreveu em latim tendo em mente um público leitor educado (o fato de ter sido rapidamente traduzido nas línguas faladas mostra que ele alcançou uma audiência muito além do público-alvo).
Parte do objetivo de Huygens era refutar o estudioso e jesuíta alemão Athanasius Kircher [1601–80], que havia publicado seu próprio diálogo místico sobre viagem espacial, Itinerarium exstaticum [Itinerário extático] (1656). Quando Huygens leu esse livro, achou que Kircher omitia tudo o que ele considerava provável sobre outros planetas, ao mesmo tempo em que incluía “uma companhia ociosa de coisas desarrazoadas”. Huygens dedicou-se ainda a outros autores e citou Nicolau de Cusa, Tycho Brahe, Giordano Bruno e Johannes Kepler. Todos, sentia Huygens, haviam se aventurado muito pouco quanto aos detalhes que a vida extraterrestre poderia assumir.
O astrônomo holandês fez seu argumento raciocinando a partir da probabilidade. “Um Homem que seja da Opinião de Copérnico”, escreveu, “de que esta nossa Terra é um Planeta, carregada ao redor e iluminada pelo Sol, como o resto dos Planetas, não pode deixar de pensar às vezes que não seria improvável que o resto dos Planetas tenha seus Ornamentos e Mobílias, talvez até seus Habitantes”.
A chave aqui é “não seria improvável”, um eco das investigações sobre probabilidades estatísticas do jovem Huygens. Assim, ele alertava seus leitores: “Não posso pretender afirmar qualquer coisa como positivamente verdadeira (por mais que seja possível) mas apenas avançar uma Hipótese provável, cuja verdade qualquer um pode ter sua liberdade de examinar”.
Ele pensava, por exemplo, ser bastante improvável a existência de uma atmosfera na Lua, o que o leva a descartar o tipo de vida ali imaginada por Kepler e Wilkins. Mas ele também abraçou alegremente a ideia de vida nos planetas do nosso Sistema Solar e nos sistemas solares em torno de outras estrelas. A descoberta, durante sua vida, de que a velocidade da luz é finita, encorajou-o a sugerir a existência de estrelas que ficariam tão distantes que sua luz ainda não teria chegado até nós.
Suas noções sobre a natureza provável de cada planeta eram formadas a partir do que ele podia aprender com um telescópio. Ele argumentou que se um planeta mostrasse aparência semelhante à Terra, aumentaria muito as chances de que outros também o seriam — uma lógica que ainda guia o programa SETI. Por usar qualquer evidência de distinção entre um planeta e outro — tamanho, distância até o sol, duração dos dias e aparência — ele foi capaz de enriquecer a visão de vida extraterrestre que colocou diante de seus leitores.
As ideias de Huygens quanto às plantas e animais eram baseadas em extrapolações razoáveis do que se conhecia na Terra, informações que haviam sido expandidas pelas notícias de espécies exóticas, que chegavam à Europa com os grandes navegadores. Maravilhado pela riqueza e adequação de espécies “tão precisamente adaptadas” à vida na Terra, ele argumentou que se negarmos essa abundância em outros planetas, então “nós deveríamos colocá-los abaixo da Terra em Beleza e Dignidade, coisa muito desarrazoada.”
Que forma essas vidas poderiam tomar? Com base nas informações de como as espécies americanas eram diferentes, mas bastante semelhantes às do Velho Mundo, Huygens presumiu uma similaridade genérica com as espécies terrestres. Mas ele também deu alguma consideração às diferentes condições físicas que podem prevalecer em outros planetas.
A atmosfera, por exemplo, poderia ser mais espessa, o que renderia uma maior variedade de criaturas voadoras. A gravidade também poderia ser diferente, ainda que ele não tenha feito estimativas de comparação da força gravitacional de cada planeta. De qualquer forma, ele rejeitava a noção de que havia uma correlação simples entre o tamanho de um planeta e a escala de sua flora e fauna. “Poderíamos ter uma Raça de Pigmeus mais ou menos do tamanho de Sapos e Ratos, dominadores de Planetas”, escreveu, alertando que isso seria improvável.
Para Huygens, porém, “o principal e mais estimulante Ponto de Inquérito é… colocar alguns Espectadores nessas novas descobertas, apreciar as Criaturas que plantamos nelas e admirar sua Beleza e Variedade.” Notavelmente, ele sugeriu que esses observadores inteligentes poderiam não ser homens, mas outros tipos de “Criaturas imbuídas de Razão”. Alguns planetas poderiam até ser capazes de acomodar várias espécies de “Criaturas racionais, portadoras de diferentes graus de Razão e Sensibilidade”.
A natureza da razão e da moralidade seria a mesma da Terra. Essas criaturas seriam sociais e teriam casas onde se abrigariam das intempéries. Entretanto, Huygens se debatia em relação a suas aparências. Ele buscava indicar que elas não seriam humanoides mas, ao mesmo tempo, dizia que elas deveriam ter mãos, pés e uma postura bípede. Ou talvez elas tivessem exoesqueletos, como as lagostas. Afinal, concluía, “é uma opinião bem ridícula, essa que as pessoas comuns têm, de que é impossível que uma Alma racional habite em qualquer outra forma distinta da nossa”. Essas especulações ecoam algumas de Kepler no Somnium, mas eram mais sólidas pelo conhecimento de Huygens quanto à possibilidade de limitações físicas.
Huygens também deu atenção à inteligência e tecnologia extraterrestres. Seus seres planetários certamente teriam ciência, especialmente a astronomia — um estudo que seria consequência do temor de eclipses, fenômenos que também ocorreriam em outros planetas. Não há dúvidas de que eles teriam algumas de nossas invenções, “mas que tenham todas elas não é crível”, ressaltou. Particularmente, Huygens não acreditavam que eles possuíssem telescópios pois considerava os que ele havia usado pessoalmente seriam tão refinados que outras inteligências não seriam capazes de fazer igual. Em vez disso, ele concedeu aos habitantes dos planetas uma visão muito superior à vista natural.
Em 1600, Giordano Bruno foi queimado pela Inquisição, em Roma, por muitas heresias, incluindo sua insistência na pluralidade de mundos potencialmente habitados. Um século depois, Huygens estava livre do mesmo destino. Mesmo assim, ele tentou se desviar de qualquer crítica da Igreja com um argumento semântico: o Céu e a Terra mencionados pelas Escrituras referem-se à totalidade do Universo, não apenas ao planeta Terra em particular. Assim, ele se recusa a dar ao homem um status especial na Criação. Diferente de trabalhos concorrentes, especialmente os com uma finalidade satírica ou utópica, Cosmotheoros não propõe uma hierarquia entre as criaturas, nem coloca os humanos como superiores ou inferiores.
Cosmotheoros teve um longo período de popularidade ao longo do século XVIII e as ideias de Huygens sobre a vida nos planetas e em outros sistemas solares foram uma importante influência sobre Immanuel Kant [1724–1804] e sua História Natural Universal e Teoria dos Céus (1755). A descoberta de Urano por William Herschel [1738–1822] em 1781 trouxe nova onda de interesse sobre a obra, mas os astrônomos logo passaram a desprezar o assunto e a opinião deles sobre a obra mais especulativa de Huygens foi pouco simpática.
Mais recentemente, Cosmotheoros vem sendo redescoberto pelos historiadores da ciência, que reconhecem a importância de Huygens por abraçar as incertezas, o que lhe deu licença para explorar o assunto. Esse ponto de vista não era, claro, compartilhado pelos contemporâneos de Huygens. Muitos pensadores, como o clérigo inglês Joseph Glanvill [1636–80], viam a aceitação de coisas incertas como a lâmina de um machado que abriria o mundo ao ateísmo. O poeta escocês William Drummond [1585–1649](em Um Bosque de Ciprestes) condenou explicitamente o copernicanismo e a ideia de vida extraterrestre como casos em que “as Ciências tornam-se opiniões, até erros, e deixam a imaginação perdida em mil labirintos”.
Seja como for, agora podemos ver que a maior contribuição de Huygens para as gerações de cientistas que o sucederam deve ter sido sua disposição a trabalhar com a incerteza. Por expor os fundamentos matemáticos da probabilidade, não havia ninguém melhor do que ele para aplicar seus preceitos no pensamento sobre as questões científicas. Agir dessa forma não foi uma rendição à irracionalidade mas um modo de abrir novas portas ao pensamento criativo. Como Huygens escreveu em Cosmotheoros: “é uma Glória alcançar a Probabilidade e a busca em si recompensa suas dores. Mas existem muitos graus de Provável, alguns mais próximos da Verdade do que outros e é nessa distinção que repousa o principal exercício de nosso Raciocínio.”
Filho de mãe americana e pai britânico, HUGH ALDERSEY-WILLIAMS é escritor e jornalista. Após concluir um mestrado em Ciências Naturais na Universidade de Cambridge, passou a se interessar por Arte, Arquitetura e Design. Saiu da academia aos poucos, abraçando o jornalismo para se dedicar às intersecções entre ciência e arte. Entre seus títulos há um estudo sobre o buckminsterfullereno — “The Most Beautiful Molecule” (1994) — e uma história cultural dos elementos químicos — “Periodic Tales” (2011). Sua obra mais recente é uma biografia de Huygens — “Dutch Light: Christiaan Huygens and the Making of Science in Europe” (2020) —, fonte deste ensaio publicado originalmente na Public Domain Review em 21/10/2020.